Título: BOMBA-RELÓGIO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 07/09/2006, O País, p. 4

Não é à toa que o presidente Lula, sentindo-se praticamente reeleito, tem insistido na necessidade de busca de convergência política para aprovar as reformas constitucionais que necessitam do apoio de dois terços do Congresso. Sem uma ampla reforma em vários setores da economia, enfrentaremos graves problemas fiscais já no próximo ano, graças às ¿bondades¿ distribuídas pelo governo neste ano eleitoral.

Um estudo coordenado por Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado Federal, mostra que o crescimento real da despesa este ano com pessoal do Poder Executivo seria próximo a 10%. Há também, na gestão do pessoal, motivos para supor que esse número ainda esteja subestimando o impacto potencial das medidas já adotadas sobre as despesas, como aumentos do salário-mínimo e dos servidores que já foram concedidos, via medida provisória, ou o aumento do quadro.

Vários fatores levam a esse temor: em algumas leis e medidas provisórias, não foi apresentada a estimativa de impacto financeiro das medidas; há casos ainda de criação de cargos em que, por não serem de imediata provisão, não se considerou que causaria aumento de custo. Em outros casos, na substituição de funcionários temporários por efetivos, argumenta-se que o custo é zero, ¿esquecendo-se¿ custos como a maior dificuldade para demitir os novos funcionários, e as obrigações trabalhistas e previdenciárias. Os dados do próprio governo informam que este ano a despesa de pessoal em relação ao PIB passará de 2,6% para 2,8%.

Também o economista José Roberto Afonso, da assessoria econômica do PSDB e um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal, não tem dúvidas de que as contas não fecharão sem um forte corte de gastos, não acreditando na possibilidade, aparentemente aventada pelo governo, de novo aumento na carga tributária. Ele também acredita que o gasto com a folha esteja subestimado, um problema que vem desde 2005, quando o Orçamento inflou a expectativa de crescimento da economia e camuflou os gastos, como no Orçamento atual, e podem estar faltando R$5 bilhões para fechar o gasto com pessoal deste ano.

O estudo do consultor do Senado Marcos Mendes mostra que, logo após à Constituição de 1988, houve um salto da despesa com pessoal, que passou de 3,5% do PIB em 1987 para mais de 6% em 1989 e 1990, em decorrência dos maiores benefícios garantidos ao funcionalismo pela Constituição, despesa que hoje está em torno de 5% do PIB. Mas o fato é que a despesa de pessoal em 2005 equivalia ao dobro da despesa em 1987.

Problemas de natureza estrutural, como o crescimento da despesa com inativos e pensionistas e com o pessoal dos Poderes e órgãos que gozam de autonomia orçamentária ¿ na terça-feira mesmo a Câmara aprovou um aumento de gasto de R$5,2 bilhões em três anos com aumentos dos servidores da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União ¿ são responsáveis por esse desequilíbrio. Mas existe um problema recente: a política de pessoal ¿expansionista¿ adotada no governo Lula.

Segundo o estudo, a despesa de pessoal está ficando cada vez mais rígida, com o peso dos inativos e pensionistas na despesa total sendo crescente a cada ano, apesar de já terem sido feitas duas reformas. Também a independência entre os Poderes faz com que tanto o Legislativo quanto o Judiciário determinem seus próprios vencimentos, fazendo com que, no período de 10 anos, a despesa do Poder Judiciário tenha crescido 133%, a do Ministério Público 114% e a do Legislativo 63%.

O ônus do controle da despesa recaiu sobre o Executivo, cuja despesa de pessoal elevou-se em apenas 12%. Mas o governo Lula está mudando esse comportamento e tem sancionado aumentos para quase todas as carreiras do Poder Executivo (administração direta, fundações e autarquias). Desde o início do governo Lula, já foram editadas 48 medidas provisórias e/ou leis reestruturando carreiras, elevando salários e criando gratificações.

Esse processo se acentuou neste ano eleitoral, quando, segundo o estudo, foram editados 14 desses diplomas legais. As 53,6 mil vagas criadas, representando um aumento de 12% no efetivo de servidores do Poder Executivo, sendo que houve um aumento de 22% no contingente de servidores de nível auxiliar, com a abertura de mais de cinco mil vagas.

Outra característica da política de pessoal do atual governo, segundo o estudo, está nos métodos adotados para conceder aumentos salariais. Em apenas 16% dos casos os aumentos decorreram de reajustes nas tabelas de vencimentos. Em 51% dos casos isso foi feito através da criação de ¿gratificações¿, para evitar repassar os aumentos para os inativos e pensionistas. Na maioria das leis e medidas provisórias, o estudo constata que é concedido apenas 30% do valor da gratificação aos inativos e pensionistas. É grande, porém, o risco de que os inativos e pensionistas recorram à Justiça para obter a integralidade desses reajustes, o que certamente terá impacto significativo sobre a despesa total.

Por essas e outras é que o economista José Roberto Afonso, em trabalho apresentado recentemente no 3º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, diz que ¿o Brasil sonha com um choque de gestão na administração pública, mas parece mais próximo do pesadelo de uma gestão de choque¿. Na sua análise, depois de criado o real, foi iniciado um ciclo de reformas institucionais que se revelou ora insuficiente (como a previdenciária), ora incompleta (como a administrativa), ora praticamente inexistente (como a tributária). ¿Há ainda uma enorme agenda de questões a serem enfrentadas, especialmente aquelas que afetam a administração pública e a organização de suas finanças¿. (Continua amanhã)