Título: TRÁFICO DE PESSOAS MOVIMENTA US$44 BI POR ANO
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 07/09/2006, O Mundo, p. 33
Comércio ilegal de seres humanos só perde para o de drogas e armas; 80% das até 800 mil vítimas são mulheres e crianças
BRASÍLIA. O tráfico de pessoas, a maioria mulheres e meninas para a prostituição, é a terceira atividade ilegal mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de armas e drogas. É o que diz o relatório ¿Situação da população mundial 2006¿, divulgado ontem pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). A estimativa é de que o comércio de seres humanos movimente até US$44 bilhões por ano (R$92 bilhões). No tráfico internacional, o número anual de vítimas varia de 600 mil a 800 mil, sendo que 80% delas são mulheres e crianças. O relatório calcula que 70 mil brasileiras trabalhem como profissionais do sexo no exterior, em países como Espanha, Japão, EUA e vizinhos da América do Sul.
ONU: restrições à migração legal estimulam tráfico
Quase tão difícil quanto combater o tráfico é obter dados precisos sobre o assunto. O UNFPA estima que, dos US$44 bilhões movimentados pela indústria do tráfico, a menor parte ¿ US$7 bilhões a US$12 bilhões ¿ diz respeito à venda das pessoas. O restante do dinheiro, cerca de US$32 bilhões, seria resultado da exploração do trabalho após a chegada ao país de destino.
¿ As causas principais do tráfico internacional são a pobreza e a falta de oportunidades de emprego e educação nos países de origem. As pessoas muitas vezes são enganadas e viajam sem saber o que as espera ¿ disse a represente do UNFPA no Brasil, Tania Cooper Patriota.
O relatório cita estimativa do Departamento de Estado americano segundo a qual 100 mil pessoas deixam a América Latina e o Caribe a cada ano, na condição de vítimas do tráfico. A maior parte é de mulheres jogadas na prostituição. Na Espanha, 70% dos imigrantes vindos do Brasil e da República Dominicana são mulheres. Crianças também são traficadas para exploração sexual, trabalho doméstico ou participação no comércio de drogas.
A diretora-executiva do UNFPA, Thoraya Obaid, afirma que as crescentes restrições à emigração legal, em especial nos países desenvolvidos, alimenta o tráfico. Ela critica a discriminação e a violência contra as mulheres em seus países de origem, o que reduz oportunidades e cria gerações de jovens dispostas a tudo para melhorar de vida, inclusive deixar a família para trabalhar no exterior. ¿Este comércio está intimamente ligado à exploração e ao abuso sexual, e muitas vítimas são forçadas ao trabalho sexual contra sua vontade, sendo mantidas virtualmente como escravas sexuais¿, diz ela em mensagem.
A Ásia e a Europa Oriental aparecem como as principais regiões ¿fornecedoras¿ de seres humanos para exploração sexual, empregos domésticos ou trabalhos em condições degradantes: numa escala de seis níveis, estão no topo, na classificação ¿muito alta¿. Já o Brasil aparece um nível abaixo, na classificação ¿alta¿, ao lado de Colômbia, México e Índia. Já em termos de destino do tráfico, o Brasil é pouco procurado, constando na faixa ¿muito baixa¿. Entre os países mais procurados estão EUA, Alemanha e Itália.
De acordo com o relatório, vítimas do tráfico em pelo menos 50 países são levadas para os EUA, onde estatísticas oficiais indicam a entrada no país, todo ano, de 14.500 a 17.500 pessoas para fins de exploração no trabalho, seja sexual ou em condição semelhante à de escravo.
Com tráfico interno, número de vítimas alcança 1,2 milhão
Citando informações da Organização Internacional do Trabalho, o relatório diz que 2,45 milhões de pessoas traficadas são exploradas no mundo. Considerado o tráfico nacional dentro dos países, chega a 1,2 milhão o número de vítimas do comércio de pessoas. ¿O tráfico de seres humanos é não somente uma das mais horrendas manifestações da migração que `deu errado¿, mas também um atentado contra a segurança nacional e a estabilidade¿, diz o relatório.
Entre as dificuldades para combater o tráfico humano, o UNFPA aponta o receio das vítimas de denunciar o crime, uma vez que podem estar em situação ilegal, ou sem os seus documentos, e aí temem entrar em contato com as autoridades locais. Por conta disso, os EUA criaram em 2000 um tipo especial de visto para quem colaborar na investigação e condenação de traficantes. O visto tem duração de três anos e abre caminho para que o denunciante peça residência permanente.