Título: FH demarca o campo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 09/09/2006, O GLOBO, p. 2

A carta aberta do ex-presidente Fernando Henrique aos tucanos é um toque de reunir a tropa para combater um possível governo Lula II. Além de desferir os mais duros ataques já feitos a Lula, ele puxa as orelhas do PSDB, faz e cobra autocrítica e admite, em duas passagens, que é tarde para recuperar o terreno perdido. Embora FH não fale por todos os tucanos, seu libelo é uma advertência ao presidente Lula sobre o quanto ele, se reeleito, precisará reforçar suas defesas no Congresso Nacional.

É saudável e oportuno, para um partido sempre acusado de usufruir dos comodismos do muro e de agir como uma numerosa tribo sem caciques, que alguém ocupe o lugar de líder e formulador e aponte o lugar a ser ocupado. No duro ataque a Lula, a quem nega ¿condições morais¿ para governar, Fernando Henrique avança na afirmação de que ele é ¿passível de crime de responsabilidade¿. Essa é uma senha para que se retome a batalha pelo impeachment num possível segundo mandato. Não por acaso, tucanos e pefelistas gostam de citar o caso de Nixon, que renunciou antes de sofrer o impeachment pelos delitos do caso Watergate, ocorrido no mandato anterior à sua reeleição.

Apontando a natureza da oposição a ser feita, Fernando Henrique tenta sacudir o PSDB, cobrando erros como o de ter tentado ¿tapar o sol com a peneira¿, no caso Eduardo Azeredo, e o de não ter sido ¿suficientemente firme¿ na denúncia de ¿todo este descalabro no momento adequado¿. Isso remete àquela reunião de agosto do ano passado, quando as oposições, com os tucanos à frente, desistiram de pedir o impeachment de Lula. Hoje, Bornhausen diz que assim o fizeram porque não tinham maioria na Câmara para aprovar o pedido de abertura de processo. Acabariam passando um atestado de idoneidade a Lula e ao PT. Mas, na época, alegaram a ¿falta de condições políticas¿ e deixaram transparecer o medo das ruas. E de fato ouviram, de petistas e auxiliares do presidente, que repetiam sua própria frase, o aviso de que nesse caso o combate seria ¿rua por rua¿. Aldo Rebelo, que ainda não era presidente da Câmara, mas ministro das Relações Institucionais, disse isso com todas as letras ao senador Arthur Virgílio e a outros tucanos. Inútil especular hoje sobre o que teriam feito as ruas naquele momento, que não é exatamente o de hoje. Mas é com amargura que FH fala da tibieza de seu partido. É com um bem dissimulado ressentimento que cobra a defesa de seu governo, nunca feita com veemência por nenhum tucano importante ¿ e isso vale para Serra, em 2002, e para Alckmin, agora ¿ e condena as ¿dúvidas metafísicas¿ sobre as privatizações que realizou.

Para um partido cada vez mais carente de idéias, o que se reflete no discurso mal costurado de seu candidato a presidente, FH sugere um modelo de reforma política (baseado no voto distrital, e não nas listas fechadas) e linhas gerais para as políticas social, econômica e externa.

Sua carta pode não render um voto a Geraldo Alckmin, mas servirá muito ao PSDB, sobretudo em caso de derrota. É claro, porém, que ele, quando deixa seu casulo de ¿notável¿ e ¿presidente de honra¿ do partido para se apresentar como líder e general da artilharia ¿ tentando talvez suprir a ausência de um líder udenista, que lamentou por estes dias ¿, FH corre o risco de não ser seguido por todos e de aprofundar, ou acelerar, as divisões no PSDB. Houve quem visse em sua retórica uma aposta na candidatura de José Serra em 2010, o que naturalmente empurraria Aécio Neves para um dos navios que lhe oferecem o leme.

Quanto a Lula, respondeu num tom muito tímido para a intensidade do ataque. Segue no propósito de não ajudar a pôr fogo no palheiro da campanha, como pregou o ex-presidente. Mas das condições em que governará se for realmente reeleito, Lula está tratando. Nos últimos dias, sua campanha vem dando atenção maior à eleição de senadores e deputados petistas e aliados. Já há sinais de que o PT não sofrerá o encolhimento previsto, podendo ter bancada igual ou até maior que a conquistada em 2002, quando elegeu 91 deputados. O PMDB calcula que terá entre 88 e 95 deputados. Um dos dois terá a maior bancada, mas, somados, contando ainda com PCdoB e PSB, não terão a maioria absoluta nem os três quintos de votos para aprovar reformas constitucionais. Elas serão necessárias, e, por mais que hoje o governo seja indulgente com o aumento do gasto, algo fará para equilibrar as contas da Previdência.

Para além desses partidos que comporão a coalizão de Lula no eventual segundo mandato, persiste a aposta num entendimento em torno de uma agenda nacional, a concertación de que tanto fala o ministro Tarso Genro. Se FH está pregando oposição renhida, há no PSDB setores sensíveis a esse outro chamado.

FH pisou nos calos do senador Eduardo Azeredo, que o chamou de ¿desleal, inoportuno e injusto¿. E também nos do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, dizendo que ele era vice de Azeredo e os tucanos não exploraram o fato de ter se tornado ministro de Lula.

O SENADOR Siqueira Campos (PSDB-TO) diz concordar com a coluna, considerando também ¿machista, preconceituoso e torpe¿ o panfleto lançado no estado contra a deputada Kátia Abreu (PFL). Assegura, porém, que a baixaria não partiu de sua campanha. ¿Fui o primeiro a pedir a busca e apreensão do panfleto, até porque minha reputação também é atacada por ele¿.

O GOVERNADOR do Acre, Jorge Viana, celebrando seu primeiro lugar na avaliação dos governadores (Datafolha), desembarcou ontem no Amapá para dar uma força à campanha de João Capiberibe ao governo. Mas, se resolver apoiar também a candidata da chapa ao Senado, Cristina Almeida, estará comprando briga com Sarney, que disputa a reeleição. Para o Planalto, Sarney é um aliado muito mais importante.