Título: O DIA DA BÍBLIA
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 09/09/2006, D. EUGENIO SALES, p. 7

Em todas as circunscrições eclesiásticas do Brasil, no último domingo de setembro, celebra-se o Dia da Bíblia. Procura-se despertar ou fomentar entre os católicos um maior conhecimento e amor aos Livros Santos, prevenir os fiéis contra os erros correntes em relação a eles, difundir exemplares da Sagrada Escritura, sobretudo os Santos Evangelhos, e incutir a sua leitura cotidiana, atenta e piedosa. Explique-se aos fiéis a natureza dos mesmos, a importância e a utilidade de sua leitura. Aproveite-se este dia para a distribuição de folhetos instrutivos sobre a Bíblia.

A Sagrada Escritura é uma obra de Deus. A palavra que é dirigida pelo Pai a todos os seus filhos foi primeiramente pregada de viva voz e só depois passou para a redação escrita. Assim, tanto a Tradição como os Livros Santos têm uma fonte única e divina, a mesma inspiração do Alto, que lhes dá a garantia da inerrância.

Todo o conteúdo, depósito da Revelação, chegou até nós mediante numerosas pessoas escolhidas que, em sua missão, gozam da garantia de veracidade e preservação de erro. Durante um longo período de muitos séculos, elas foram escrevendo, em estilo próprio. O autor sacro pode ter redigido tanto por comunicação direta de Deus como também utilizando verdades já reveladas anteriormente. Em qualquer caso, fica resguardado o caráter próprio daquilo que o Senhor determinou fosse ensinado às gerações vindouras, até nossos dias.

No Dia da Bíblia os fiéis sejam motivados ao uso do texto sagrado nos atos religiosos, como na vida particular. Assim fazendo, mantêm um contínuo contato com o Senhor e têm seus caminhos iluminados pelas diretrizes que, por ele, nos foram comunicados. Quer a Igreja que os católicos tenham fácil acesso aos Livros Sagrados. Por isso, o Concílio nos ensina: ¿Visto que a palavra de Deus deve estar sempre acessível a todos, a Igreja procura, com solicitude maternal, que se façam traduções aptas e fiéis nas várias línguas, sobretudo a partir dos textos originais dos Livros Sagrados¿ (¿Dei Verbum¿, nº 22).

O louvável hábito da leitura diária da Bíblia ¿ o livro mais difundido no mundo ¿ é inestimável fonte de consolação nos sofrimentos e nas angústias, precioso elemento formador da vida cristã e sustentáculo na luta pela fidelidade aos ensinamentos salvíficos que nos vêm de Jesus Cristo.

A complexidade de uma obra elaborada através de tantos séculos, exige, para sua adequada e reta compreensão, comentários que tornem inteligíveis não poucas passagens. Como se trata de uma matéria de importância excepcional, impõe-se a devida e correta interpretação. Não raramente, variadas correntes de pensamento buscam apoio em citações bíblicas. Às vezes, a tradução é exata, mas o leitor é levado a desvios doutrinários, com afirmações alheias ao verdadeiro objetivo para o qual foram escritos os livros sagrados. É necessária uma constante cautela, para não sermos conduzidos a ensinamentos que nos afastem de Cristo. Esse perigo já existia na Igreja primitiva e mereceu de São Pedro, em sua segunda Epístola, uma advertência: ¿(...) como vosso caríssimo irmão Paulo vos escreveu (...). Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam (...)¿ (2Pd 3,16).

Nem sempre é fácil o entendimento. Lemos no Evangelho de S. Lucas (Cap. 24) um caso típico: os discípulos de Emaús, desanimados, sofrem uma admirável transformação quando Jesus lhes explica o exato sentido dos textos sagrados. De derrotados, tornam-se vitoriosos e retornam a Jerusalém como testemunhas da ressurreição. Hoje, também, o Espírito Santo age em nós através do Magistério eclesiástico, esclarecendo-nos, animando-nos, para que a Sagrada Escritura produza seus admiráveis resultados em nossa vida.

No Dia da Bíblia, consideramos a grande importância da meditação da Palavra de Deus. O crescimento da vida cristã está profundamente vinculado à reflexão desses escritos divinos. Os Círculos Bíblicos proporcionam abundantes frutos aos que deles participam. A pequena comunidade se reúne em torno do Livro. Lidos seus ensinamentos, são aplicados, após reflexão, à vida individual e social. Também aí se pode infiltrar o Maligno.

No Domingo da Bíblia, reanimemos nosso amor à Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo, a gratidão pela presença do Senhor, através de Sua mensagem salvífica. E, em conseqüência, a fidelidade em seguir os rumos aí traçados. Eles nos conduzem a Deus.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.