Título: Declarações de juíza provocam polêmica
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Fonte: O Globo, 09/09/2006, Rio, p. 15
Especialistas discordam de magistrada da Infância e da Juventude que chamou de negligentes pais que não vigiam filhos
As declarações da juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Ivone Caetano, que, ao comentar o acidente de trânsito que matou cinco jovens domingo na Lagoa, chamou de negligentes os pais que não vigiam seus filhos, causaram polêmica entre especialistas que trabalham com jovens e adolescentes.
Para a psicóloga Sandra Salgado, do Instituto de Psicoterapia Comportamental, não se pode culpar os pais por tragédias desse tipo. Segundo ela, adolescentes e jovens têm características próprias, entre as quais ela destaca a imaturidade, a imprudência e a falta de conscientização:
¿ Tenho uma clínica especializada em teste psicotécnico para pessoas que vão tirar carteira de motorista e vejo que muitos candidatos de 18 anos estão despreparados para dirigir, porque são muito imaturos e estão em fase de afirmação. A velocidade dá poder e eles se sentem poderosos. Isso ocorre muito na adolescência e no início da idade adulta. Associado ao álcool, isso dá um binômio perigoso. Acho que os jovens precisam se conscientizar de que existem limites.
A psicanalista Alice Bittencourt, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio, também não concorda com as declarações da juíza:
¿ Na verdade, o que falta é diálogo entre pais e filhos. Acho complicado culpar os pais por não tomarem conta ou por não vigiarem seus filhos, como eu já li em relação a esse acidente. A coisa não é tão simples assim. Muitas vezes eles não sabem como fazer. A questão não é o tempo que eles (os filhos) passam fora, mas o tempo que eles passam juntos. Tem de haver uma mudança de parte a parte.
Alice Bittencourt diz ainda que os pais não devem temer impor limites aos filhos:
¿ Educar não é só dizer sim. É poder dizer não com consciência.
O educador João Pessoa de Albuquerque, presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), também evita culpar os pais por acidentes como o que aconteceu na Lagoa:
¿ A vigilância paterna tem limites. Vamos cair na real. O problema não é saber onde o filho está. Na verdade, a mocidade sente uma atração irresistível pela emoção, pela adrenalina. Não há relação de causa e efeito entre um pai zeloso e um filho atraído pela adrenalina. A melhor coisa que se pode fazer nesses casos é alertar.
Pessoa de Albuquerque ficou tão impressionado com as fotos do acidente na Lagoa publicadas no GLOBO que resolveu usá-las para alertar alunos do colégio Anglo-Americano:
¿ Quando vi a foto mostrando o desespero daquele pai, decidi guardar a reportagem. Vou mandar copiá-la para que seja distribuída a todos os jovens de ensino médio do Anglo-Americano. Será a minha contribuição para alertar os jovens.