Título: Pacotes de vento
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 08/09/2006, Economia, p. 20

O ministro Guido Mantega disse, na terça-feira, no ¿Bom Dia Brasil¿, que o país poderia crescer 4% e, na quarta-feira, o Ipea reduziu para 3,3% a sua previsão de crescimento. O que aconteceu? Simples: o Ministério da Fazenda está comprometido com a usina de bondades e de boas notícias, e o Ipea continua o trabalho dele de fazer análises e projeções econômicas.

Para crescer 4%, o país teria de acelerar o ritmo numa velocidade semelhante à que atingiu no melhor momento do Real, o que está longe de acontecer. O ministro da Fazenda provavelmente sabe disso, mas prefere fazer coro com os que no governo acham que basta repetir que a ¿meta¿ será atingida. Como se a economia fosse apenas a explicitação de desejos dos governantes, desejos que, se reiterados, virariam realidade.

A usina das boas notícias já tem novos eventos encomendados. O pacote de financiamento imobiliário está aguardando a agenda do dublê de presidente e candidato. Será anunciado pelo presidente em pessoa, porque nada parece mais alvissareiro do que prometer a redução do custo do financiamento para a compra da casa própria. Se realmente vai funcionar, depende das medidas a serem tomadas, mas as últimas iniciativas do Ministério da Fazenda não recomendam esperança.

Esta semana, a Fazenda anunciou o pacote do spread bancário, que promete reduzir os juros cobrados pelos bancos e aumentar a competição. Pode ser tão eficiente para atingir seus objetivos quanto o outro pacote divulgado recentemente que prometia elevar o dólar, com a permissão para que os exportadores deixassem seus dólares no exterior. Como se viu, não fez qualquer diferença. O ministro deu entrevistas dizendo-se convencido de que haveria uma mudança completa no quadro cambial e nada aconteceu. Tinham razão os que ponderaram que, com juros tão altos, o incentivo para os exportadores deixarem aqui aplicado o dinheiro da exportação é grande demais, e, portanto, a permissão de deixar no exterior não seria usada.

Outra proposta que começa a ser preparada é um pacote do sonho dos exportadores: vai ser criado um fundo para ressarcir as empresas que tenham crédito tributário proveniente da Lei Kandir. Hoje, as empresas exportam, pagam o ICMS e ficam com o crédito que deveria ser usado para abater outros impostos estaduais. Os estados recebem dinheiro do governo federal, mas não reconhecem todos os créditos porque alegam que não são ressarcidos como deveriam. É verdade também. Isso virou um imbróglio. O governo promete resolvê-lo criando um fundo no qual governos federal e estaduais farão depósitos para que a compensação seja automática. Para tanto, o fundo terá que ter fundos, porque o crédito acumulado é muito alto. Isso, de fato, tem de ser enfrentado, mas a idéia é que os estados abram mão de parte do ICMS que incide sobre a importação para capitalizar o fundo. Pode ser que eles não aceitem, principalmente em época tão pouco propícia ao diálogo federativo como agora.

O pacote anti-spread é um requentado de idéias e propostas já existentes. O Banco Central começou o esforço para aumentar a competição entre os bancos e reduzir o spread em 2000. Conseguiu avanços. Um deles foi exatamente a existência de um cadastro positivo. A Central de Risco de Crédito do Banco Central, montada pelo governo anterior, tem informações boas e ruins sobre os correntistas e pode ser acessada pelos bancos. O que o governo fez agora foi reduzir de R$5.000 para R$1.000 o limite a partir do qual as informações dos créditos concedidos estarão na Central. Só que, com o limite anterior, já estavam dentro do banco de dados do BC 90% do valor emprestado. A conta-salário já havia sido criada anos atrás. As medidas do pacote são parecidas com medidas já existentes. Por que, então, são anunciadas? Porque o governo quer notícia boa e o Ministério da Fazenda está engajado nesse esforço para atender à demanda.

A Fazenda faria melhor se estivesse dedicada aos graves assuntos que ameaçam a economia. No ano que vem, o governo terá de cortar gastos. As tesouras estão sendo afiadas no Ministério do Planejamento, mas o ideal seria que uma equipe interministerial trabalhasse na adaptação dos anúncios eleitoreiros de agora para deixá-los compatíveis com a realidade fiscal de um país que atingiu 37,37% de carga tributária.

O ano de 2007 é o último ano de vigência da DRU e da CPMF. O mecanismo que flexibilizou as vinculações do orçamento, a DRU, Desvinculação das Receitas da União, garante hoje, em parte, o superávit primário, mas é medida antipática contra a qual há uma série de argumentos, o mais forte deles é que ela foi feita para ser temporária e está se eternizando. Se quiserem mantê-la, terão de convencer três quintos do Congresso, porque a medida tem de ser aprovada por emenda constitucional. A CPMF é o mais antipático dos impostos e o presidente Lula, já em 2002, havia prometido acabar com ela, mas é uma extraordinária fonte arrecadadora. Se o governo tiver que viver sem ela, terá de fazer cortes drásticos em suas despesas; se quiser mantê-la, terá também de trabalhar para aprovar a prorrogação no Congresso. É melhor fazer isso no começo do ano do que alimentar mais ainda a incerteza fiscal de 2007.