Título: EM VARRE-SAI, UM RETRATO DO SUBMUNDO ELEITORAL
Autor: Bernardo Mello Franco
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O País, p. 14
Prefeito do município mais pobre do Rio pede votos para candidato de Garotinho em troca de obra do estado
VARRE-SAI (RJ). Denúncias de compra de votos, nepotismo, uso da máquina pública e até uma ambulância da Planam cuja compra é investigada pela CPI dos Sanguessugas ditam o ritmo da campanha eleitoral no município mais pobre do Estado do Rio. Dos cerca de oito mil moradores de Varre-Sai ¿ que tem 17% de analfabetos e apenas 9,1% dos domicílios ligados à rede de esgoto ¿ nenhum quis arriscar-se nas urnas em 1º de outubro. Mesmo assim, a política toma as ruas da última cidade no mapa do Noroeste fluminense com cartazes, carros e motos que circulam dia e noite ao som de jingles de dois candidatos a deputado federal.
A disputa é polarizada por Geraldo Pudim (PMDB), apoiado pelo prefeito peemedebista Antonio Said, o Lilica, e Sílvio Lopes (PSDB), aliado do líder da oposição local, Everardo Ferreira (PP). Os debates são acalorados e, como é regra no interior fluminense, ignoram alianças partidárias fechadas em Brasília. Nas últimas eleições, o prefeito apoiou o deputado Paulo Feijó, eleito pelo PSDB com 49,3% dos votos válidos no município.
¿ Ele esteve aqui uma vez, ficou 15 minutos e teve metade dos votos ¿ orgulha-se Said.
Prefeito trocou apoio a Pudim por 7km de asfalto
Este ano, Feijó trocou a companhia do prefeito pela de advogados, que tentam defendê-lo da acusação de receber propina para apresentar emendas de compra de ambulâncias ¿ entre elas, a UTI móvel que transporta o brasão da prefeitura de Varre-Sai. Com o aliado impedido de concorrer, Said decidiu pedir votos para o peemedebista Geraldo Pudim, apoiado pelo ex-governador Anthony Garotinho. A aliança, segundo o prefeito, foi negociada em troca de uma obra do governo do estado: o asfaltamento de sete quilômetros da rodovia RJ-214, que começou no mês passado.
¿ Garotinho ligou para mim e disse: ¿Vamos fazer o asfalto, mas você me ajuda com o Pudim¿. Não quero saber se é pudim, se é broa ou se é bolo. Eu quero é a obra ¿ diz Said, que organiza festa para a primeira e única visita da dupla à cidade, na próxima sexta-feira.
Em frente ao comitê eleitoral de Pudim, coordenado pelo filho e chefe de gabinete do prefeito, funciona um posto municipal de atendimento médico e distribuição de remédios. O estabelecimento é mantido com recursos públicos e foi batizado de Saúde com Atendimento Integrado e Diversificado (Said) ¿ cujas iniciais, em destaque na fachada, coincidem com o sobrenome do peemedebista.
Ex-motorista de kombi que disputou a primeira eleição em 1969, quando Varre-Sai ainda pertencia ao município vizinho de Natividade, Said cita o ex-governador Chagas Freitas, patrono da ¿política da bica d¿água¿, como modelo de estadista. No palanque, alimenta a fama de bom bebedor que desperta amor e ódio nas ruas da cidade, onde todos se conhecem pelo nome e uma igreja católica ainda celebra missas em latim, proibindo a entrada de mulheres de calça comprida. Brincalhão e carismático, o prefeito faz campanha noturna em mesas de bar e leva os adversários ao desespero com o bordão ¿Tem jeito, Lilica?¿
Irmãs controlam secretarias de Saúde e de Educação
Para os inimigos políticos, não tem. Nas reuniões semanais dos nove vereadores, o trio da oposição denuncia a penúria da prefeitura, cujos telefones estão cortados há meses por falta de pagamento, e brande a lista dos 35 parentes contratados por Said ¿ entre eles, as duas irmãs, secretárias de Saúde e de Educação. O peemedebista não se constrange em defender o nepotismo.
¿ Que prefeito não ajudaria a sua família? ¿ desafia.
Na segunda-feira, a vara única de Natividade ¿ que ainda julga os processos de Varre-Sai, emancipada em 1993 ¿ recebeu denúncia contra o prefeito por apropriação indébita. Desde o início do ano, ele não repassa o desconto dos servidores à previdência municipal. A dívida, reconhecida por Said, ultrapassa R$1 milhão.
Líder do governo na Câmara, Nino Oliveira (PL), que começou a carreira política como motorista da prefeitura, diverte-se com o estilo de Said, a quem se refere como patrão.
¿ Ele não perde um enterro. Segura a alça do caixão e, se precisar, até chora ao lado da viúva ¿ conta o vereador.
A professora aposentada Maria Elmira Corrêa, que estudou com Said na infância, compra briga com vizinhos para defender o peemedebista.
¿ Não vejo defeito nele. Se ele não bebesse, morria, de tanto ataque da oposição. Essa gente é muito ruim ¿ diz.
Aliado de Garotinho e Pudim, o candidato do PMDB ao governo do Rio, Sérgio Cabral, é outro candidato à vitória esmagadora no município. Em 1º de agosto, sua comitiva provocou frisson ao desembarcar em dois helicópteros no único campo de futebol de Varre-Sai. O partido da governadora Rosinha Garotinho, que teve 78% dos votos válidos no município em 2002, controla oito das outras 12 cidades do Noroeste Fluminense.