Título: CURSOS DE DIREITO NÃO PASSAM NO CRIVO DA OAB
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O País, p. 19

Dos 38 reconhecidos este ano pelo MEC, 20 têm parecer desfavorável: ensino sem qualidade

BRASÍLIA. De 38 cursos de direito reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) este ano, 20 receberam parecer desfavorável da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou seja, deveriam ter sido fechados por falta de qualidade, na opinião da entidade. É o caso do curso da Universidade Federal da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul, uma das dez universidades criadas no governo Lula. A OAB fez o balanço a partir de consulta ao Diário Oficial, que publica as portarias de reconhecimento do MEC, uma exigência para que os diplomas tenham validade.

¿ Há realmente uma falha na fiscalização do MEC, que tem se pautado por critérios extremamente flexíveis e liberais. Isso não é bom, porque o nível do ensino está caindo, o que se reflete nos concursos públicos e no exame da Ordem, em que é acentuado o índice de reprovação ¿ diz o presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Paulo Roberto Medina.

Exigências formais não atentam para a qualidade

O dirigente da OAB diz que os mecanismos de controle do MEC são ¿burocráticos¿, pois se prendem ao atendimento de exigências formais, como número e titulação de professores ou a existência de prédios e bibliotecas, sem verificar como se dá o real funcionamento dos cursos.

O secretário de Educação Superior do MEC, Nelson Maculan, lembra que o reconhecimento é dado a partir de avaliação in loco por especialistas indicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Por lei, a OAB deve obrigatoriamente ser ouvida, mas o governo pode ignorar as recomendações da entidade. Até maio, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto com novas regras para a regulamentação do ensino superior, o Conselho Nacional de Educação também opinava.

Eu não digo que os cursos são bons. O problema é que é muito difícil, com os dados que temos, dizer não a um curso que tem uma comissão dizendo que é ótimo, o CNE dizendo que é bom e a OAB dizendo que não é bom, sem falar nos casos em que a OAB regional diz uma coisa e a OAB nacional diz outra ¿ pondera Maculan.

Diferentemente do que ocorre na pós-graduação, nunca um curso de graduação reprovado em avaliações oficiais foi fechado pelo MEC. O ministério diz que isso será possível agora com o novo decreto e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), ainda em fase de implementação.

A Universidade Federal da Grande Dourados foi criada por desmembramento da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Ou seja, a nova universidade era antes um campus, onde o curso de direito era oferecido. De acordo com a OAB, a avaliação in loco conduzida pelo Inep (órgão vinculado ao MEC) deu conceito insuficiente ¿ o pior ¿ para as instalações; regular para a organização didático-pedagógica; e bom para o corpo docente.

Entre os problemas, falta de projeto pedagógico

Ao contrário da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, a própria seccional da entidade em Mato Grosso do Sul defendeu o reconhecimento do curso. Para a comissão, no entanto, havia problemas de sobra, entre eles a precariedade da biblioteca, a falta de um projeto pedagógico adequado à realidade do interior do estado e da instituição e o fato de que apenas três dos 23 professores faziam parte do quadro efetivo de pessoal ¿ os demais eram temporários.

¿O acervo é precário. Livros básicos de legislação não podem ser encontrados. Além disso, as áreas de formação profissional e específica do curso de direito não estão contempladas no acervo, inexistindo títulos de direito comercial, direito tributário, direito constitucional, direito civil. Não há periódicos¿, diz trecho do parecer da comissão da OAB contrário ao reconhecimento do curso.

Segundo Maculan, a nova universidade já fez concurso para a contratação de 80 professores. Ele não soube dizer quantos vão lecionar no curso de direito. Da mesma forma, o ministério também liberou, segundo ele, cerca de R$5 milhões para a instituição melhorar sua infra-estrutura.

Nos últimos dois anos, o presidente nacional da entidade, Roberto Busato, vem acusando o MEC de transformar a criação de faculdades de direito em moeda eleitoral. A entidade registra a existência de pelo menos 1.019 em todo o país. Segundo a assessoria de imprensa do MEC, esse número já chega a 1.200.

O ministério divulgou que, dos 38 cursos reconhecidos este ano, 16 serão reavaliados para verificar se têm mesmo condições de continuar funcionando. Dos demais 22, segundo a assessoria, dez tinham parecer favorável do CNE e 12 foram aprovados porque o ministério entendeu que as ponderações da OAB não tinham fundamento.