Título: EXCLUÍDOS QUEREM VOZ E VOTO
Autor: Florência Costa, Sonia Soares, Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 10/09/2006, Economia, p. 38

Brasil, Índia e África do Sul pedem espaço em FMI e OMC

e Eliane Oliveira

Três grandes democracias entre os países em desenvolvimento. Potências regionais em seus continentes. Quando os chefes de Estado e Governo de Brasil, Índia e África do Sul se reunirem em Brasília esta semana, o que estará na mesa de negociações vai muito além de ganhos no comércio. O objetivo será, acima de tudo, político: afinar o discurso em busca de mais espaço em instituições multilaterais como Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio (OMC) e Fundo Monetário Internacional (FMI).

A trinca, batizada de Ibas, sigla que vem das iniciais Índia, Brasil e África do Sul, quer ser a voz dos excluídos. Mas enfrenta, internamente, enormes desafios: combater a pobreza, reduzir as desigualdades, aprimorar as instituições democráticas e encontrar o caminho do desenvolvimento econômico.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se reunir com seu colega sul-africano Thabo Mbeki, e com o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, na quarta-feira (dia 13), na I Reunião de Cúpula do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul. Juntos, os três países têm PIB de US$1,5 trilhão. Se considerado o poder de compra de suas moedas, o tamanho dessas economias é ainda maior: US$5,7 trilhões.

Uma das metas do Ibas é elevar o fluxo de comércio no bloco para US$10 bilhões ¿ hoje, está em US$4,6 bilhões. Os três representam um mercado de 1,3 bilhão de consumidores.

Receita liberal fez Índia crescer

Singh traz na bagagem a experiência de ter conduzido as reformas liberais que fizeram da Índia uma máquina de crescimento econômico. Ainda dividida pela herança da sociedade de castas, o país tenta se apresentar como uma economia moderna. Mas também assusta os países ricos ao atrair grandes multinacionais para atividades de serviço, por meio de uma terceirização que cruza fronteiras. Não são apenas call centers, mas consultorias contábeis, de advocacia e até serviços médicos, que aproveitam a mão-de-obra barata, qualificada e que fala inglês. O país convive ainda com 260 milhões na miséria, bem mais do que a população brasileira.

Hoje, 65% da população indiana têm menos de 30 anos, o que torna necessária a criação de cinco milhões de empregos por ano, dos quais dois milhões devem ser de postos mais especializados, para que todo o esforço em educação dos últimos anos não se perca.

Um gargalo da economia é na infra-estrutura ¿ nos próximos seis anos o país precisará gastar US$150 bilhões, segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers.

Mas o que mais assusta os indianos recentemente é o terrorismo, que agora não mais é motivado apenas pelas disputas com o Paquistão pela região da Caxemira. Em julho, um atentado nas linhas de trem urbano de Bombaim, atribuído a um grupo terrorista internacional, matou 200 pessoas.

O crescimento perto de 8% nos últimos três anos, a liberalização da economia e o investimento em educação, dizem representantes do governo, credenciam o país a disputar o posto de líder asiático. E o fato de a Índia manter o espírito da democracia aumenta sua vantagem competitiva, principalmente frente à China.

Ponte na África une culturas

A liderança econômica da África do Sul no continente é inquestionável. Seu PIB, em paridade do poder de compra, é quase o dobro do segundo no ranking, o Egito. Ao mesmo tempo em que tenta superar a herança do apartheid e precisa combater as mazelas da Aids, o presidente Mbeki adota no campo externo uma política de aproximação com outros grandes países em desenvolvimento.

Além da posição geográfica estratégica ¿ a meio caminho entre Brasil e Índia ¿ o menor país da aliança se apresenta a seus parceiros como uma ponte entre duas culturas tão distintas. A África do Sul tem uma comunidade de quase um milhão de descendentes de portugueses que, em sua maioria, chegaram ao país após a independência de Angola e Moçambique, na década de 70.

Há ainda cerca de três milhões de indianos no país. Eles chegaram no início do século XX, para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar. Hoje, muitos intelectuais do país têm ascendência indiana e estão presentes em círculos influentes do partido do presidente Mbeki.

A aproximação entre Brasil, Índia e África do Sul, iniciada com o objetivo de pressionar por uma reforma no Conselho de Segurança da ONU, ganhou força nas negociações da OMC, com a criação do G-20. E a trinca já ensaia uma nova aliança, dessa vez para forçar o FMI a aumentar a participação dos emergentes nas suas decisões.

¿ A mensagem mais clara do Ibas à comunidade internacional é de que os países do Sul querem participar da definição da agenda mundial junto com as nações desenvolvidas ¿ diz o subsecretário-geral político para África, Ásia, Oceania e Oriente Médio do Itamaraty, embaixador Pedro Motta.

*Correspondente **Enviada especial à Índia. A editora de Economia Sonia Soares viajou a convite do governo indiano