Título: CONTRA O HIV, RECEITAS SÃO BEM DIFERENTES
Autor: Florência Costa e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 10/09/2006, Economia, p. 40

Enquanto Brasil oferece medicamentos gratuitos, governo sul-africano recomenda alho e beterraba

RIO e BOMBAIM. Índia e África do Sul lideram a estatística nada honrosa de países que abrigam o maior número de pessoas vivendo com o vírus da Aids. São 5,7 milhões na Índia e 5,5 milhões na África do Sul. Mas enquanto os contaminados representam apenas 0,9% da população adulta indiana, a prevalência de HIV na África do Sul só não é maior do que em seus vizinhos Zimbábue, Suazilândia, Namíbia, Lesoto e Botsuana.

São 18,6% da população sul-africana entre 15 e 49 anos, ou seja, um flagelo que afeta quase um quinto da força de trabalho do país. A epidemia destrói não só as perspectivas de um crescimento mais vigoroso para o país ¿ há estimativas de que a doença reduza a expansão anual da economia, hoje em 4,9%, em até 2,5 pontos percentuais ¿ mas, principalmente, os sonhos de uma vida melhor para suas crianças: há 1,2 milhão de órfãos da Aids na África do Sul.

E, se este seria um campo óbvio de cooperação entre os governos brasileiro e sul-africano ¿ o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a oferecer acesso universal e gratuito ao tratamento da Aids ¿, há a resistência dos líderes da África do Sul em aceitar a eficácia dos medicamentos anti-retrovirais. Desde que o presidente Thabo Mbeki chegou ao poder, em 1999, a África do Sul é o único país do mundo a questionar, sem nenhuma base científica, a relação entre o vírus HIV e a Aids.

A ministra da Saúde do país, Mantombazana Tshabalala-Msimang, defende práticas da medicina tradicional africana, que inclui o curandeirismo, e costuma recomendar a pacientes com Aids que se alimentem com alho e beterraba. Depois de muita pressão internacional, o país criou em 2003 um programa de distribuição de anti-retrovirais. Mas, segundo o último relatório anual do Programa de Aids da ONU (Unaids), a epidemia não dá sinais de declínio naquele país.

¿ A ministra é contra a terapia com anti-retrovirais. Diz que a nutrição é que é importante. O Brasil já ofereceu ajuda nesta área, mas não encontrou resposta ¿ critica Zélia Roelofse-Campbell, da Unisa, que está radicada há 40 anos na África do Sul.

Índia tem maior índice de crianças abaixo do peso

Enquanto a Aids elevou a mortalidade infantil e reduziu a expectativa de vida na África do Sul a padrões incompatíveis com seu nível de renda, na Índia é a pobreza que faz o maior estrago na saúde da população.

De cada mil crianças sul-africanas nascidas vivas, mais de 60 não chegam a seu primeiro aniversário, num país onde a renda média é de US$12 mil por ano ¿ no Brasil a mortalidade infantil é de menos da metade e a renda per capita, de 70% da África do Sul.

A Índia ¿ onde 80% da população sobrevivem com menos de US$2 por dia, dos quais 26% na extrema pobreza ¿ tem o maior índice de crianças abaixo do peso normal do mundo, segundo estudo recente do Banco Mundial. A desnutrição infantil, associada a doenças como malária, diarréia e pneumonia, explica metade das mortes de crianças indianas. Lá, 54,6 entre cada mil bebês não completam um ano de vida.

Apenas metade da população urbana tem acesso a serviços sanitários. E, segundo a Unicef, uma mulher morre a cada cinco minutos de complicações do parto ¿ com isso, a Índia responde por 20% das mortes mundiais desse tipo. (Luciana Rodrigues e Florência Costa)