Título: O DESAFIO DE INCLUIR PELA EDUCAÇÃO
Autor: Florência Costa e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 10/09/2006, Economia, p. 40

Na Índia, apenas 10% dos jovens chegam à universidade. `Apartheid¿ sul-africano restringiu acesso à escola básica

De um lado, um pólo de atração de empresas que buscam mão-de-obra extremamente qualificada e muito barata, porém onde mais de um terço da população é analfabeta. De outro, um país ainda marcado pelas heranças do apartheid, onde faltam profissionais bem treinados e, ao mesmo tempo, há fuga de cérebros. Os parceiros do Brasil no Ibas ilustram as dificuldades dos países emergentes em acertar o principal atalho rumo ao desenvolvimento econômico: a educação.

A Índia optou por investir pesadamente no ensino superior e já está colhendo os frutos: a cada ano, três milhões de estudantes saem das mais de 17 mil faculdades do país. Mais de 400 mil se formam em áreas técnicas, como engenharia, uma mão-de-obra preciosa para um país que quer aprimorar sua infra-estrutura. Na indústria indiana, o salário inicial desses profissionais varia de US$10 mil a US$20 mil por ano.

Mas este é um caminho para poucos: somente 10% dos jovens indianos chegam às universidades. E os famosos Institutos Indianos de Tecnologia (IITs), de onde saem os estudantes disputados a tapa por empresas na Índia e no exterior, são apenas sete. Todos são mantidos pelo governo. O primeiro foi criado em 1951, quatro anos após a independência. Entrar neles é tarefa árdua: em média, são 300 mil candidatos para 4.935 vagas.

Escolarização no Brasil é de 82%

Nos anos 90 surgiram institutos semelhantes para tecnologia da informação e, hoje, há outros nas áreas médicas, biotecnológicas e de gerenciamento. Ao mesmo tempo, a Índia convive com a proliferação de faculdades privadas. Como ocorre no Brasil, muitas são de qualidade duvidosa. Kiran Karnik, presidente da Associação Nacional das Empresas de Serviço e Software, estima que apenas 15% dos estudantes que se formam anualmente nas 1.265 faculdades de engenharia indianas estejam aptos a serem empregados.

As ilhas de excelência no ensino superior convivem com a precariedade da educação básica. Há 1,18 milhão de escolas na Índia, porém 76 mil delas funcionam com apenas um professor e mais de 6 mil não têm nem um. Muitas não têm eletricidade nem água potável. Há uma década, as crianças não contavam com um programa de merenda escolar.

O país só acordou para o problema recentemente e, há quatro anos, criou um fundo para incluir as 340 milhões de crianças entre 6 e 14 anos no ensino primário. Ainda assim, cerca de 13 milhões continuam fora das salas de aula. No ensino secundário, que na Índia é de 14 a 18 anos, apenas 40% dos jovens estão matriculados. No Brasil, a escolarização é de quase o dobro disso: 82,2% dos jovens entre 15 e 17 anos.

Para tentar aumentar a freqüência no ensino básico, o governo indiano determinou que as escolas privadas concedam 25% de bolsas a crianças e jovens carentes.

Na África do Sul, fuga de `cérebros¿

Na África do Sul, as cotas para estudantes negros nas escolas e universidades, adotadas desde 1994, ainda não reduziram os abismos na educação. Num país onde 80% da população tiveram seu direito ao ensino restringido durante o apartheid, e onde a educação muitas vezes esteve no centro de levantes populares ¿ o famoso protesto dos estudantes de Soweto, em 1976, teve como estopim a determinação do governo de adotar a língua africâner, da minoria branca, nas escolas para negros ¿ há uma escassez crônica de mão-de-obra qualificada.

Estima-se que 500 mil postos de trabalho permanecem vagos porque não há profissionais aptos disponíveis. Isso num país onde a taxa de desemprego é de 26,6%. E, paradoxalmente, a África do Sul sofre com a emigração de seus técnicos mais especializados.

Em pesquisa recente da consultoria Deloitte, 39% dos empresários do setor de vendas afirmaram que, nos últimos 12 meses, perderam um funcionário em cargo de chefia para firmas no exterior. Nas indústrias, essa parcela é de 16% e, no setor financeiro, de 11%. A crise é tão grande que o governo já admite que talvez seja necessário permitir recontratação de brancos que tenham sido afastados pelas empresas para cumprir metas de ação afirmativa.

¿ Os indicadores educacionais melhoraram, mas para os negros mais pobres não está como deveria. Muitos professores brancos foram substituídos por outros que não são tão bem preparados. O governo quer fazer tudo a jato, e às vezes isso não é possível ¿ explica a brasileira Zélia Roelofse-Campbell, diretora do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da África do Sul (Unisa).

(*) Correspondente