Título: ECOS DO DIA QUE NUNCA ACABOU
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O Mundo, p. 43

Quando o terror mudou o mundo e atacou para sempre as liberdades civis

Ssav<ão as pequenas cenas do cotidiano que dão a medida de como a vida mudou nos EUA desde os atentados de 11 de setembro de 2001. A professora de jornalismo da Universidade de Columbia não sai mais de casa sem passaporte, já adaptada às normas de segurança que obrigam todos a se deixar fotografar e a ter o número da identidade anotado antes de entrar nos grandes prédios de Manhattan. A mulher muçulmana, habituada a cobrir a cabeça com o chador, deixou de ser contratada por uma empresa de comidas diet porque seu chefe preferia que todos parecessem ¿americanos¿ no lugar de trabalho. O militante de direitos humanos não pôde embarcar em Nova York num vôo da Jet Blue porque estava usando uma camiseta com inscrições em árabe ¿ nada muito provocativo, apenas a frase ¿não podemos ficar silenciosos¿, devidamente traduzida para o inglês.

Cinco anos depois dos ataques à capital cultural e financeira do império é extensa a lista de pequenos e grandes atentados aos direitos civis no país que gosta de se ver como campeão das liberdades democráticas. Só no último ano, em nome da segurança, os americanos descobriram que milhões de conversas telefônicas estavam sendo gravadas pela Agência de Segurança Nacional, sem autorização da Justiça, conformaram-se de ter seus dados pessoais e roteiros de viagem colocados à disposição das autoridades, ficaram perplexos de saber que as bibliotecas públicas passam aos serviços de segurança a relação dos livros pedidos pelos leitores, numa atitude semelhante às das empresas de cartões de crédito que fornecem os extratos das compras dos consumidores para a CIA. A cada descoberta de um plano terrorista, a vida nas cidades fica mais tensa, apesar de nem sempre a população acreditar estar sob uma ameaça real: revistas a passageiros nos metrôs e ônibus foram impostas pelas autoridades estaduais e consideradas legais nos tribunais; detectores de metais se multiplicaram por edifícios, teatros, salas de concerto, cinemas, locais de trabalho. A cada uma dessas revelações, aumentou a tensão entre governo e mídia, jornais e televisões sendo acusados de ajudar os terroristas ao revelar segredos do Estado.

¿ Vivemos num mundo perigoso, queremos que a polícia esteja vigilante e queremos que ela previna o terrorismo. Parte do nosso trabalho é ouvir, procurar informação, é estar nas ruas vigiando. Temos de usar a tecnologia a nosso dispor, temos câmeras em todos os lugares, mas não acho que isso fere os direitos dos cidadãos. Já atos de discriminação são crimes levados à Justiça ¿ disse prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, ao GLOBO.

¿ O governo americano praticou mais atos contra a democracia nos Estados Unidos do que qualquer terrorista conseguiria. O pior é que faz ilegalmente muitas das coisas que poderia fazer legalmente ¿ diz John Guershman, professor da Universidade de Nova York, autor de ¿A secure America in a secure world¿ (Uma América segura num mundo seguro).

As escutas telefônicas resultaram em 30 mil pedidos a empresas que mandassem dados confidenciais de seus clientes mas nenhum deles tinha culpa de nada. Cerca de 80 mil árabes e muçulmanos tiveram as impressões digitais tomadas, outros oito mil foram chamados para conversas com o FBI e cinco mil estrangeiros foram presos. Todas essas iniciativas não fizeram com que um único cidadão pudesse ser incriminado por atividades terroristas.

Excesso de controle divide os EUA

Apesar dos protestos das entidades de proteção dos direitos humanos, o país está dividido quando o assunto é o equilíbrio necessário entre a manutenção das liberdades democráticas e o combate ao terrorismo. Pesquisa do "New York Times" constatou, na semana passada, que 24% dos americanos reclamam que as políticas do governo Bush estão reduzindo as liberdades civis, mas a maioria (53%) acha que é preciso abrir mão de alguns direitos para prevenir novos atentados, e 19% defendem um arrocho maior em nome da segurança. No cotidiano, o tema desperta emoções intensas e os dois lados têm argumentos para defender ou atacar cada medida. A viúva Kristen Breitweiser, cujo marido morreu no World Trade Center, acha que todos têm de se sacrificar em nome da segurança, pois o país está em guerra.

O advogado Jefrrey Rogers, ao contrário, recorreu aos tribunais para impedir que a polícia cumprisse a ordem do Ministro da Justiça de interrogar cinco mil muçulmanos ao longo do país. Ganhou a ação, abrindo o caminho para muitas associações de direitos humanos adotarem a mesma estratégia. Anne Nielsen, professora de jornalismo da Universidade de Columbia, cita a pressão sobre a imprensa como um exemplo de restrição de liberdades civis.

Cada 11 de setembro é um momento de reflexão. Em 2006, a pergunta mais constante é se os EUA estão mais seguros e, numa pesquisa desta semana, a maioria acha que não, especialmente em Nova York, onde 75% convivem com a angustiante certeza de que haverá um novo ataque. Bush e o prefeito Bloomberg usam o argumento de que nenhum atentado aconteceu, nos últimos cinco anos, por causa das políticas antiterror. Mas especialistas acham que foi a cooperação internacional a maior responsável pelo aumento da eficiência no rastreamento de possíveis planos de atentado. Também criticam que todos os serviços de inteligência estão voltados para Oriente Médio e Ásia, desconhecendo que vieram da Europa os terroristas responsáveis pelos últimos ataques.