Título: MULTICULTURALISMO BRITÂNICO SOB ATAQUE
Autor: discrimninal
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O Mundo, p. 44

LONDRES. Hammasa Kohistani pode até ter lido ¿O Pequeno Príncipe¿, mas a primeira muçulmana a ser coroada com o título de Miss Reino Unido chamou menos atenção pelas amenidades do concurso de beleza do que pelo ataque feito ao tratamento dispensado pelas autoridades britânicas aos irmãos de crença. Sua acusação de que o governo Tony Blair mais tem contribuído que combatido a islamofobia foi uma das principais manifestações da minoria religiosa nos dias que antecedem ao quinto aniversário do 11 de Setembro.

A manifestação de alguém pertencente a um universo normalmente apático em relação a questões mais sérias realça o sentimento de frustração em meio a uma comunidade de quase dois milhões de pessoas que só fez se agravar depois que quatro jovens muçulmanos detonaram explosivos em trens do metrô e num ônibus de Londres, em julho do ano passado, matando mais de 50 pessoas e ferindo outras centenas. Lideranças islâmicas, porém, ressaltam que mesmo antes do primeiro atentado suicida, a desconfiança já estava no ar.

¿ Mesmo os muçulmanos mais moderados têm sido rotulados negativamente e acusados de não fazerem o suficiente para combater o radicalismo. E a hostilidade parece vir em grande parte do governo ¿ reclama Kohistani, de 19 anos, filha de afegãos que se refugiaram no Reino Unido para escapar dos desmandos do Talibã.

Na semana passada, uma pesquisa do instituto TNS/Global revelou um aumento no preconceito contra muçulmanos. O percentual de britânicos que consideram a comunidade islâmica uma ameaça para a segurança do país cresceu de 35% para 51% desde o ano passado. E revelou um índice ainda mais preocupante: a proporção de pessoas sentindo-se confortáveis com vizinhos muçulmanos caiu para 21% desde 2005 ¿ só que era apenas 13 pontos percentuais maior antes dos atentados na capital.

¿Fala-se muito de 11 de Setembro, mas o multiculturalismo britânico já estava sob ataque antes dos atentados, como ficou claro nos distúrbios de Bradford, em julho de 2001, provocados pela reação de jovens muçulmanos aos ataques da extrema-direita¿, escreveu Faisal Bodi, um especialista em assuntos islâmicos, num editorial publicado pelo jornal ¿The Guardian¿.

Os ataques em Nova York e Washington, entretanto, não podem ser ignorados como um agravante para a situação dos muçulmanos no Reino Unido. Eles foram o principal alvo da legislação especial antiterrorismo, que permite a autoridades britânicas deterem, por tempo indeterminado e sem julgamento, indivíduos suspeitos de atividades extremistas. E no recente episódio do desbaratamento de um suposto plano para explosões, a retirada de dois homens de um vôo de Manchester para Málaga a pedido de passageiros só não causou mais revolta que os planos do Ministério dos Transporte para um sistema dirigido de revistas em aeroportos.

¿ O que mais me chamou a atenção em toda essa paranóia foi ver uma garotinha chorando e apontando para mim enquanto seus pais a abraçavam e olhavam fixamente para mim ¿ contou Khurram Zeb, um dos estudantes de 22 anos retirados do vôo para Málaga.