Título: DE PARENTES DAS VÍTIMAS A MILITANTES POLÍTICOS
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O Mundo, p. 46

Familiares se dividem em tribos, criam associações, pesquisam o islamismo e cobram punições dos culpados

Eles ainda carregam no peito as fotos dos que morreram naquele dia como uma espécie de crachá. Chamam os terroristas de bastardos, criminosos, malditos e seus olhos se enchem de lágrimas. Às vésperas de mais um aniversário do 11 de Setembro, participam de inaugurações, debates e lançam livros. Cinco anos depois, as famílias dos cerca de três mil mortos nos ataques se transformaram numa força política nos Estados Unidos e, especialmente, em Nova York. Movidos pela dor, usando a autoridade moral que lhes conferiu a perda de maridos, mulheres, filhos e filhas, eles arrecadam dinheiro para construírem seu próprio memorial enquanto os poderosos brigam por interesses políticos, obrigam o governo a divulgar as fitas com os telefonemas das vítimas pedindo socorro aos serviços de emergência da cidade, participam das discussões sobre segurança e estão no centro dos debates sobre a reconstrução do Ground Zero.

Rapidamente aprenderam os caminhos para Washington e se acostumaram a usar a mídia para ecoar as sua reivindicações, muitas delas atendidas. Não conseguiram se manter unidos e se dividiram em inúmeras associações que travam discussões, às vezes, ácidas. São mais de 20, todas com nomes relacionados aos atentados: Vozes do 11 de Setembro, World Trade Center-United Board, Associação do 11 de Setembro, Associação do Vôo 93 (aquele que foi seqüestrado e acabou derrubado na Pensilvânia). Discordam sobre a maneira como devem ser dispostos os nomes dos mortos no memorial que um dia homenageará seus entes queridos, discutem se as famílias dos bombeiros devem receber uma indenização maior do que as outras, ficam em lados opostos no debate sobre as políticas do governo Bush contra o terrorismo ou sobre se a guerra do Iraque deixou os Estados Unidos mais protegidos ou não de um novo ataque.

¿ Cada um trata de um assunto. Eu, por exemplo, não sei nada de Ground Zero, tive de aprender sobre segurança nacional ¿ diz Kristen Breitweiser, que acaba de lançar o livro ¿Despertar, a educação política de uma viúva do 11/9¿.

Kristen, 35 anos, é uma das Jersey Girls, as quatro donas-de-casa que foram obrigadas a trocar a vida confortável no subúrbio pelas barricadas da luta política. O apelido vem de uma música de Bruce Springfield mas a força para mover a burocracia veio do desespero de ter a vida destruída de um dia para o outro. Ela, Patty Casazza, Lorie Auken e Mindy Kleinberg não se conheciam, apesar de os maridos de três delas trabalharem na Cantor Fitzgerald, uma empresa financeira localizada no World Trade Center. Juntas, transformaram-se numa voz poderosa

¿ Nunca pensei que meu marido fosse ser assassinado por terroristas do Oriente Médio. Infelizmente aprendi que o presidente no qual eu e meu marido votamos não era o que imaginávamos. Em vez de nos proteger, continua tomando decisões que causam muitas mortes ¿ diz.

Estudar os motivos dos ataques e exigir punição virou obsessão dos parentes

A história das quatro ¿ duas democratas e duas republicanas ¿ é um relato de uma amizade construída na tristeza pós 11 de Setembro e de uma educação política. As quatro mães, agora sem maridos, incorporaram uma nova obsessão às inúmeras tarefas diárias de mulheres criando filhos sozinhas. Viraram noites pesquisando na internet sobre radicalismo islâmico e seqüestro de aviões, foram à procura dos políticos e burocratas, entraram na Casa Branca e no Senado, exigindo respostas para uma única pergunta: por que seus maridos tinham sido mortos? Apesar da oposição do presidente George W. Bush, do vice Dick Cheney e da secretária Condoleezza Rice, elas contribuíram para que o Congresso criasse uma comissão para investigar o ataque de 11 de Setembro: foi por causa da insistência delas que, por exemplo, Condoleezza teve de explicar publicamente por que não prestou atenção aos avisos dados ao governo de que a al-Qaeda estava treinando pilotos e pretendia usar aviões como arma. Kristen reclama que muitas perguntas continuam sem respostas e, depois de cinco anos de aprendizado sobre a vida em Washington, ela é extremamente crítica à política do governo Bush ¿ da guerra do Iraque ao combate ao terrorismo.

¿ Obrigamos o governo a ser mais transparente, mas ainda há muito a descobrir. Minha obsessão é saber por que foi dada uma ordem para suspender a prisão de um dos seqüestradores dos aviões, praticamente na véspera dos ataques. Quem mandou suspender a prisão dele? E por quê? Continuamos querendo a mesma coisa: punir os culpados por deixar o país, a cidade e os cidadãos tão vulneráveis ¿ disse Kristen.