Título: OS AFEGÃOS ESPERAM A PAZ, NÃO A GUERRA¿
Autor: Tom Coghian e Kim Sengupta
Fonte: O Globo, 10/09/2006, O Mundo, p. 47

Para especialista, ajuda insuficiente desmotiva reação contra a milícia fundamentalista

Um dos maiores especialistas mundiais em Afeganistão, Barnett R. Rubin diz que os afegãos estão frustrados com a guerra sem fim e a ajuda insuficiente, que desmotiva uma reação ao Talibã. ¿Os afegãos esperam que EUA e Otan tragam paz, e não guerra. Se estes continuarem a travar uma guerra, não serão mais bem-vindos¿, prevê o diretor de Estudos do Centro de Cooperação Internacional, da Universidade de Nova York. Autor de ¿Afghanistan's uncertain transition from turmoil to normalcy¿ (¿A transição incerta do tumulto à normalidade¿), Rubin não acredita que o Talibã possa retomar o controle do país, mas observa que o movimento representa uma ameaça de desestabilização para Paquistão e Afeganistão. ¿Eles podem bloquear o progresso¿, afirma.

Cinco anos após a queda do Talibã, quem está ganhando a guerra?

BARNETT R. RUBIN: Não se trata apenas de uma guerra, mas de uma luta política. No momento, o Talibã está se saindo melhor e acha que está vencendo. Mas não pode ter uma vitória decisiva enquanto os EUA e a Otan continuarem comprometidos. O problema é que os afegãos esperam que os EUA e a Otan tragam paz, e não guerra. Se estes continuarem a travar uma guerra, não serão mais bem-vindos.

Como o controle do Talibã sobre certas áreas está relacionado ao crescimento do cultivo de papoulas para ópio?

RUBIN: O Talibã não controla áreas, mas tem acesso a elas e as nega ao governo. A fraqueza do governo e a força do Talibã são diferentes formas de descrever a mesma coisa: um Estado frágil. Como o Estado não tem como aplicar a lei nem providenciar meios de sustento, e como o Talibã encoraja o cultivo de papoula, as pessoas recorreram a isto.

Quais foram as principais falhas do Ocidente?

RUBIN: As principais falhas foram especificamente americanas: definir os objetivos de forma muito estreita, como matar ou capturar os líderes da al-Qaeda e do Talibã, e então organizar eleições. Os EUA se recusaram a permitir a expansão da ISAF (a Força Internacional de Assistência e Segurança), não financiaram um grande esforço de reconstrução. Não empregaram recursos suficientes porque estavam distraídos com o Iraque.

Pode-se dizer que o fracasso em combater a pobreza ajudou o Talibã a obter apoio?

RUBIN: O Talibã não tem muito apoio. As pessoas sofreram muitas privações sob o seu regime. Mas o governo e a comunidade internacional não forneceram o que elas esperavam. Então, elas se sentem desmotivadas a se arriscar contra o Talibã. Sem um verdadeiro desenvolvimento rural e segurança, as pessoas continuarão a plantar papoulas.

Que futuro se pode prever para o Afeganistão? O Talibã pode retomar o controle?

RUBIN: O Talibã não pode retomar o controle do país. Não apenas os EUA, mas também Otan, Irã, Índia, e talvez mesmo o Paquistão, iriam se opor. Mas eles representam uma ameaça de desestabilização para o Paquistão e o Afeganistão. Eles podem bloquear o progresso.

Que diferenças o senhor traça entre as campanhas americanas em Afeganistão e Iraque?

RUBIN: A guerra no Afeganistão foi apoiada por praticamente o mundo inteiro e a maioria dos afegãos, e ainda é, apesar dos erros cometidos. Foi uma resposta a um ataque genuíno. Foi conduzida com aliados afegãos, e a ONU coordenou a transição política. A guerra no Iraque foi unilateral, com base em falsas premissas e sem planos para a transição política. O que elas têm em comum é que, em ambos os casos, EUA e Irã têm interesses comuns e de fato cooperaram, mas o governo Bush não reconheceria isso. Os EUA aliados com Stalin contra Hitler. Não dissemos que travávamos uma guerra ao totalitarismo e tentávamos derrotar ambos ao mesmo tempo. Usamos diferentes métodos para diferentes ameaças. É loucura não fazer isso hoje.