Título: PALAVRAS AO VENTO
Autor: Eliane Oliveira e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 11/09/2006, Economia, p. 15

Ricos querem negociar comércio global, mas conversa ficará emperrada até eleição nos EUA

Os principais atores da Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC) ¿ o G-20 (grupo de nações em desenvolvimento), a União Européia (UE) e os Estados Unidos ¿ concordam que é preciso relançar as negociações sobre a liberalização do comércio mundial, suspensas há quase dois meses. Porém, um forte componente político impede que cada um dê um passo à frente para desbloquear as conversas em torno de um acordo multilateral: as eleições legislativas nos EUA, em novembro. O compasso de espera ficou claro no encontro deste fim de semana, no Rio, entre representantes de praticamente todo o planeta que são associados à OMC.

¿ É óbvio que as eleições americanas influenciam a Rodada de Doha. Os agricultores americanos são eleitores e assinam cheques para os partidos ¿ afirmou Peter Mandelson, comissário de Comércio da UE.

¿ Não se pode dizer que as eleições estejam travando as negociações. Mas dificilmente acontecerá alguma coisa antes disso ¿ admitiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que, junto com o ministro indiano Kamal Nath, lidera o G-20.

Segundo fontes da diplomacia brasileira, a tendência é que a representante de Comércio da Casa Branca, Susan Schwab, não se mexa até novembro. Se o governo americano, agora, anunciar que está disposto a dar uma redução maior de subsídios à agricultura, será um tiro no pé. A ira dos fazendeiros republicanos e democratas ficará evidente nas urnas.

¿ O que as pessoas têm que entender é que, para uma negociação chegar a um bom resultado, necessariamente tem de ser dura ¿ afirmou Schwab.

Para o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, não há momento político agora para retomar as conversas, mas ele considerou a reunião do Rio uma etapa intermediária entre a interrupção da rodada e a volta às negociações:

¿ Uma das questões que se colocam é saber quando e como fazer isso. E há limitações, como a Lei Agrícola americana (que começará a ser discutida pelo Congresso dos EUA em março de 2007) e o TPA (autorização do Legislativo para que o governo dos EUA negocie acordos externos, que expira em junho de 2007).

Segundo Lamy, até março de 2007 será preciso saber se os envolvidos na Rodada de Doha irão para frente ou não nas negociações.

Enquanto isso, o tiroteio continua. Os encontros ontem entre os ministros dos países em desenvolvimento que integram o G-20 e os representantes dos países ricos foram marcados por discursos já conhecidos. Mandelson disse que a UE pode dar uma redução maior nas tarifas de importação de produtos agrícolas do que os 39% apresentados até agora, desde que o G-20 abra mais mercados nas áreas de serviços e produtos industrializados. Schwab afirmou que os EUA estão propensos a reduzir mais os subsídios domésticos aos agricultores, desde que o G-20 melhore sua oferta.

Mandelson reconheceu que os americanos não devem ser os únicos a reduzir subsídios domésticos, mas enfatizou que ¿um movimento deles é a condição para destravar o que os outros precisam fazer¿.

Como o GLOBO publicou ontem, Mandelson disse aos integrantes do G-20 que a UE considera, como base de negociação, o que foi acertado em Hong Kong no fim de 2005: a eliminação de subsídios às exportações de produtos agrícolas até 2013. A posição foi confirmada por Schwab e Lamy.

Conversas bilaterais: Brasil exige espaço

As discussões multilaterais que ocorreram na manhã de ontem deram lugar, à tarde, a encontros bilaterais entre Amorim e os representantes dos países desenvolvidos. Amorim disse a Mandelson que o Brasil não desistirá de brigar na OMC pelo direito de os exportadores brasileiros venderem pedaços de frango a tarifas menores que os 70% fixados pela UE.

A Schwab, o chanceler demonstrou sua preocupação com a ameaça dos EUA de excluírem o Brasil do Sistema Geral de Preferências (SGP), que permite a importação de produtos agrícolas de países em desenvolvimento com alíquotas reduzidas.

¿ Quando um país se torna muito competitivo, ele pode prejudicar outras nações menos desenvolvidas a terem acesso ao mercado americano pelo SGP ¿ disse a americana, antes da audiência com Amorim.