Título: ÍNDIA 2
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 11/09/2006, Economia, p. 16

O bug do milênio (quando, na passagem para 2000, os programas de computadores em todo o mundo tiveram de ser adaptados para datar os anos com quatro números) projetou as empresas indianas de tecnologia de informação e já se acredita que essa atividade responderá por 15% da economia do país dentro de dez anos. Agora o Brasil poderá ser uma Índia 2 nesse ramo.

Trata-se de uma atividade que se globalizou e vai atrás de mercados que tenham grande população e razoável oferta de mão-de-obra com nível médio de instrução. Por isso, estão no páreo para ser uma Índia 2 a China, a Rússia, as Filipinas, a Malásia e o Brasil.

No Brasil, a mão-de-obra seria hoje 30% mais cara do que a chinesa na prestação de serviços de software e correlatos para terceiros, porém essa diferença é compensada por outras vantagens. O mercado brasileiro de software corresponde a quatro vezes o indiano. O período da inflação aguda fez com que o sistema financeiro aqui se sofisticasse e alcançasse um padrão de automação só comparável ao do Primeiro Mundo. O volume de vendas por meio de cartões de crédito e débito no Brasil não tem similar em outros países em desenvolvimento. E por trás disso estão empresas que prestam serviços.

A IBM, por exemplo, que nos anos 90 tinha reduzido seu quadro de pessoal para pouco mais de quatro mil empregados, contrata atualmente, em média, oito novos funcionários por dia. Seu quadro de empregados poderá chegar a vinte mil pessoas, sendo que metade vai ficar nos birôs da empresa em Hortolândia, interior de São Paulo, prestando serviços não só para o Brasil, mas também para o exterior. A idade média do pessoal da IBM no Brasil cairá de 33 para 27 anos. No lugar de executivos de terno azul marinho e cabelo engomado o que se vê são jovens vestidos de jeans e tênis.

Em 2002, o Brasil exportou US$100 milhões em software e serviços correlatos, mas o diretor executivo da Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Software para a Exportação), Ricardo Saur, acha plausível se falar em US$5 bilhões em um período relativamente curto, pois a demanda internacional vem crescendo a um ritmo de 18% a 40% (!!!) ao ano, dependendo do segmento. Saur esteve nas trincheiras da reserva de mercado da informática nos anos 80, uma opção muito polêmica na época, que deixou como rescaldo positivo a criação de uma retaguarda de profissionais gabaritados no setor ¿ pois de certa forma foi preciso reinventar a roda.

Mas para se tornar um grande exportador de serviços na área de tecnologia de informação, o Brasil, além de provar nos mercados americano e europeu que está apto a cumprir esse papel, terá de formar muita mão-de-obra, pois precisará de pelo menos cem mil pessoas ¿ jovens, preferencialmente ¿ para tocar o barco.

Em outubro, a Brasscom vai criar uma certificação para os estudantes de língua inglesa que se aperfeiçoem em conhecimento de tecnologia de informação. O certificado terá três níveis (básico, médio e avançado). E a idéia é que se incorporem a esse projeto dezenas de entidades que hoje se dedicam a formar jovens de comunidades carentes para trabalhar em informática. É o que vêm fazendo a Índia e a China ¿ até porque assim conseguem dar subsídios sem ferir as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A remuneração média mensal desses jovens profissionais no Brasil é de R$900. Curiosamente, a Índia era apontada como exemplo de país com enorme contingente de pobres que pouco progredia, e agora, ao menos no caso da prestação de serviços para tecnologia de informação, é um modelo a ser copiado. Tomara que o Brasil vire mesmo uma Belíndia 2 (Bélgica mais a Índia do software).

O governo decidiu não licitar blocos na Bacia de Campos onde existam possibilidades de descoberta de novas jazidas de petróleo pesado, alegando que a preferência agora é pela exploração de áreas com potencial de produção de gás e/ou óleo leve. É uma estratégia que tem até alguma lógica, pois os campos já descobertos e em desenvolvimento produzirão ainda muito petróleo pesado nos próximos anos.

No entanto, empresas que adquiriram áreas de concessão em licitações passadas da Agência Nacional de Petróleo (ANP) estão tendo MUITA dificuldade para obter licenciamento ambiental ¿ leia-se Ibama ¿ especialmente quando a exploração precisa ser feita em águas rasas (até cem metros de profundidade), mesmo que haja possibilidade de descoberta de gás e óleo leve.

Há alguma coisa errada ou fora de sintonia no setor. Investimentos em petróleo, especialmente em exploração e produção no mar, levam quase dez anos para maturar. E agindo assim, o governo afasta potenciais investidores, deixando a Petrobras sozinha (talvez por isso mesmo).

Algumas projeções para inflação já apontam índices abaixo de 3% este ano, chegando próximo ao piso das metas perseguidas pelo Banco Central. Nesse ritmo, não há dúvida de que na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em outubro, os juros básicos cairão para 13,75% ao ano. Ou seja, o corte será novamente de 0,5 ponto percentual.