Título: INTELIGÊNCIA SEM COORDENAÇÃO PREJUDICA CAÇADA A BIN LADEN
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 11/09/2006, O Mundo, p. 18

Alta tecnologia do aparato antiterrorismo dos EUA não é suficiente

WASHINGTON. Cinco anos depois dos maiores atentados já sofridos pelos EUA, os americanos continuam repetindo a pergunta: ¿Onde está Osama?¿ As autoridades americanas parecem não saber, ao certo. Se sabem, continuam incapazes de agarrá-lo, apesar de disporem da mais alta tecnologia e do mais sofisticado e potente armamento do mundo:

¿ Não vou dizer onde ele está. Nós sabemos... mas é um lugar de difícil acesso ¿ admitiu o procurador-geral de Justiça, Alberto Gonzales, em entrevista na última segunda-feira.

O próprio presidente George W. Bush procura desconversar quando alguém lhe faz a pergunta. Ele, e em especial os encarregados da caçada ao terrorista, procuram logo dizer que tal tarefa deixou de ser prioridade. Sua preocupação tornou-se mais ampla: promover ações preventivas para evitar novos atentados.

O problema é que cinco anos depois, e após centenas de milhões de dólares investidos nessa empreitada, o aparato antiterrorista americano ainda não consegue funcionar de forma coordenada. Continua havendo, como antes, uma competição entre as 16 agências ¿ civis e militares ¿ de inteligência.

Já existe, desde o ano passado, um Diretor de Inteligência Nacional: John D. Negroponte. Cabe a ele justamente coordenar o trabalho das 16 agências. Mas além de disputas de bastidores, com algumas tratando de manipular informações sem compartilhar dados com as demais, têm surgido inacreditáveis problemas técnicos.

O mais absurdo deles aconteceu no FBI (polícia federal americana), que investiu US$170 milhões em 2003 na criação de um sistema digital seguro ¿ o Virtual Case File (arquivo virtual de casos) ¿ para substituir seus velhos arquivos de papel e, um ano depois, quando o colocou em funcionamento percebeu que não funcionava. As complicações foram tão grandes que o governo simplesmente jogou fora o sistema.

Agora, os agentes aguardam a chegada de outro, denominado Sentinel, ainda em fase de desenvolvimento. Ele custará nada menos do que US$425 milhões mas só estará operando totalmente em 2009. Até lá os 30 mil funcionários do FBI ¿ entre eles pouco mais de 12 mil agentes especiais ¿ continuarão a utilizar o tradicional e obsoleto sistema disponível.

¿ Sem contar que ainda não instalaram toda a nova rede de comunicação via computadores. E, por isso, alguns de nossos postos não conseguem se comunicar diretamente com outros ¿ contou um veterano agente ao GLOBO.

Outro detalhe perturbador em relação ao FBI é a alta rotatividade na chefia de antiterrorismo: nos últimos cinco anos o posto foi ocupado por seis pessoas. Quando cada uma começava a engrenar no trabalho chegava um convite para um emprego mais lucrativo numa empresa privada.

Falta de unidade em avaliação sobre Olimpíadas de Inverno

Os preparativos para as Olimpíadas de Inverno, em Turim, este ano, foram um teste que demonstrou claramente as falhas do sistema antiterror dos EUA. Oito das agências da comunidade de inteligência foram encarregadas de produzir um levantamento dos riscos para os atletas do país. Em vez de um trabalho coordenado, cada uma fez uma avaliação própria e apresentou seu informe. Todos diziam exatamente o mesmo: o risco era mínimo.

Um dos encarregados resumiu a situação com ironia, ao ser questionado pelo ¿Washington Post¿:

¿ Ver as agências competindo é como assistir a um jogo de futebol de crianças de 7 anos, você vê 20 garotos correndo atrás da bola ao mesmo tempo.

A aparência é de um aparato azeitado, a se julgar pelas três reuniões diárias realizadas através de videoconferência. A primeira à 1h, a segunda às 8h e a terceira às 15h. Elas servem para uma atualização do que vem acontecendo no submundo do terrorismo, com base em dados colhidos por espiões espalhados pelo mundo.

O material e os resultados das discussões são, logo depois, distribuídos a 5.500 analistas das agências. O fluxo de informações entre as agências, no entanto, não tem tido a intensidade necessária para um combate eficaz ao terrorismo ¿ segundo avaliação da Comissão de Inteligência do Senado.

Há uma clara má vontade do Pentágono, em especial, em trocar informações com a CIA (a agência central de inteligência) e o Departamento de Estado. O Departamento de Defesa prefere conduzir operações por conta própria, segundo aquelas duas agências civis. Um exemplo é o programa secreto do Pentágono que envia unidades de suas Forças Especiais em missões de espionagem, em trajes civis, a países com os quais os EUA têm relações diplomáticas amigáveis.

Ao chegar a seus destinos, os militares sequer informam o embaixador americano ou o chefe do posto da CIA no país sobre a sua presença. O argumento é que espiões militares têm o dever de dar informações apenas ao Departamento de Defesa. E os resultados não têm sido compartilhados com as demais agências.