Título: JUVENTUDE E POBREZA: LEITO PARA O EXTREMISMO
Autor: Mariana Timóteo da Costa
Fonte: O Globo, 11/09/2006, O Mundo, p. 19

População muçulmana cresce mais que o dobro da média mundial; sem recursos, produziria terroristas, dizem analistas

Dos muitos problemas e desafios da administração americana em sua guerra ao terror, um em especial, e ainda pouco discutido, preocupa o meio acadêmico americano: a expansão demográfica dos países de maioria muçulmana que, aliada à resistência aos EUA e à pobreza, pode produzir terroristas em série.

¿ Esse risco existe e é maior do que imaginamos por uma questão simples, esses países têm uma imensa quantidade de jovens que não desfrutam de boas condições econômicas nem sociais formando, assim, uma classe inferiorizada, repleta de ódio ¿ afirma ao GLOBO o cientista político americano Peter Singer, da Brookings Institution, um dos mais ativos think tanks dos EUA.

Metade dos habitantes tem menos de 20 anos

Um levantamento realizado pela instituição ¿ que nesta semana promove uma série de eventos em Washington para discutir como anda o mundo cinco anos depois do 11 de Setembro ¿ mostra que cerca da metade da população dos países muçulmanos (no Irã, por exemplo, 54%, no Paquistão, 52%) tem menos de 20 anos de idade. Em países como EUA, Austrália, Japão e os da União Européia, a proporção é bem menor, de cerca de 25%. As previsões são de que a população jovem nos países árabes aumente 130% nos próximos 50 anos ¿ número bem superior aos 54% da média mundial. Isso deságua numa cifra de que 100 milhões de empregos terão que ser criados nos próximos 10 a 20 anos nesses locais.

¿ Algo extremamente difícil para países com PIBs ínfimos, e que, tradicionalmente, não investem em educação e tecnologia, incluindo os que produzem petróleo. Moradores da África subsaariana têm mais acesso à internet do que a população do Oriente Médio ¿ afirma Singer.

O cientista político reconhece que grupos terroristas brotam em qualquer contexto, mas argumenta que ¿o apelo do radicalismo fica muito mais intenso, e seu poder mais ameaçador, quando crises econômicas, políticas e sociais e culturais são combinadas¿.

¿ O mundo islâmico hoje se sente humilhado e sem enxergar uma luz de mudança no fim do túnel. Nos últimos anos, os EUA não contribuíram para melhorar essa situação, ao cometer erros crassos na forma com a qual lidaram com o terrorismo, com o Iraque. Se os recursos usados na guerra tivessem sido desviados para ajudar outros países, para que eles também nos ajudassem, quem sabe o quadro não seria diferente ¿ escreveu Singer, num relatório da Brookings Institution, para quem a questão da educação desses milhões de jovens é algo que será crucial daqui para a frente.

Para a cientista política Jean Krasno, especialista em Nações Unidas da Universidade de Yale, os americanos também precisam ser melhor educados. ¿ Quando os islâmicos recebem educação religiosa, por mais importante que ela seja, isso não os prepara para contribuir com melhorias em sua sociedade, como na medicina, na engenharia, nos negócios. Ao mesmo tempo, quando, nos EUA, educamos nossas crianças de forma arrogante, não preparando-as para entender outras culturas, também nos isolamos. É muito mais fácil desprezar e odiar quem não entendemos.

Peter Singer acha que os EUA podem se esforçar mais para apoiar reformas econômicas e educacionais, que aliviem a pobreza, nos países muçulmanos, ¿não apenas para sermos legais, mas porque nossa segurança está em jogo¿. O grande desafio é como reformar países que tradicionalmente não são receptores de ajuda americana, como Síria e Irã ¿ e onde há atualmente intensas campanhas, como há muito anos não se via, para acabar com a educação secular.

¿ Sem menosprezá-los nem isolá-los ainda mais, respeitando suas raízes culturais, etc, há como os EUA pressionarem por reformas, apontando as falhas desse radicalismo para a própria população local, com o objetivo de fazer com que ela pressione por mudanças ¿ acredita Peter Singer.

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