Título: O combustível do desastre
Autor: Vera Araújo e Cláudio Motta
Fonte: O Globo, 12/09/2006, Rio, p. 16

Laudo mostra que índice de álcool no sangue do motorista era duas vezes maior que permitido

Um laudo do Instituto Médico-Legal revela mais um ingrediente no trágico acidente de trânsito ocorrido no dia 3 na Lagoa: o álcool. Além do excesso de velocidade e da falta do cinto de segurança, quatro dos cinco jovens mortos estavam embriagados. O resultado do teste de alcoolemia, feito pelo Laboratório de Toxicologia do IML, revelou que Ivan Rocha Guida, de 18 anos, o motorista do Honda Civic, tinha uma concentração de álcool no sangue de 1,39g/L (grama por litro). Dos cinco jovens, só Ana Clara Rocha Padilha, de 17 anos, namorada de Ivan, não bebeu. Seu exame deu zero.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, a pessoa com índice acima de 0,6g/L já é considerada incapaz de dirigir, ou seja, está em estado de embriaguez. O exame revelou que Felipe Travassos de Azevedo Villela, de 22 anos, tinha 1,97g/L de álcool no sangue; Manoela de Billy Rocha, de 16, 0,78g/L; e Joana Kuo Chamis, de 17, 0,69g/L.

Motorista pode ter consumido vodca

Segundo o médico-legista e psiquiatra forense Talvane de Moraes, uma pessoa com índice de alcoolemia acima de 1g/L de sangue já perde os reflexos e a autocrítica.

¿ Esse índice registrado no motorista é o dobro do permitido. O motorista estava altamente embriagado. Trata-se de um quadro de embriaguez completa ou profunda. Ele fica com um retardo muito grande de seus reflexos, inclusive trazendo-lhe prejuízos na forma de agir, com a perda da consciência do que está fazendo. Quando a pessoa está com esse índice, tem uma sensação de sono irresistível ¿ explicou Talvane.

Para o médico-legista, o alto índice no teste de alcoolemia de Ivan significa ainda que o jovem ingeriu bebida destilada, como vodca.

¿ É muito difícil chegar a esse alto índice só com chope. Ele pode ter tomado vodca. Além disso, não podemos nos esquecer de que o jovem, por sua própria natureza, tende a buscar auto-afirmação ¿ completou.

O coordenador das regiões Sul e Sudeste do Programa de Redução de Acidentes (Pare) do Ministério dos Transportes, Fernando Pedrosa, concorda com Talvane e disse que o consumo de álcool acima do permitido por lei foi um dos fatores para a tragédia.

¿- Ainda estou sob o impacto da emoção. O jovem estava com mais do que o dobro do índice de álcool permitido pela legislação. Com natureza desafiadora, ele testou seus limites, mas acabou perdendo e levando mais quatro amigos. Tomara que a mensagem que fique é que a vida não é um jogo ¿ disse Pedrosa.

Segundo o diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), Liu Tsun Yaei, uma pessoa normal, sem beber, leva de meio a um segundo para reagir a algum estímulo, enquanto alguém embriagado tende a gastar mais de dois segundos:

¿ Para se ter uma idéia, um motorista embriagado, dirigindo a 70km/h, leva de dois a três segundos para reagir a um estímulo. Com isso, antes de reagir, ele já terá andado 40 metros. Um reflexo retardado faz com que muita coisa possa acontecer no meio do caminho. Não se pode esquecer, no caso dos jovens, que eles estavam a mais de 100km/h, sem cinto de segurança. O motorista perdeu o controle do veículo num trecho de linha reta, sem curvas ¿ ressaltou Liu.

Para pai de vítima, não há bebida fraca

Presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, José Alberto Landeiro disse que o álcool, além de causar sonolência e diminuir os reflexos, turva a visão.

¿ Essa tríade (sonolência, diminuição dos reflexos e redução da visão) é a grande causadora dos acidentes de trânsito e já se manifesta, de forma perigosa, a partir do limite imposto pelo Código de Trânsito, que é de 0,6g/L ¿ disse.

Segundo o engenheiro Fernando Diniz, que perdeu um filho num acidente de trânsito, há três anos e meio, na Barra, não há bebida forte ou fraca.

¿ Uma dose média de chope tem 12 gramas de álcool. A de cachaça e a de vinho têm 14. Toda bebida é perigosa: o correto é não beber.

Vitória Padilla, mãe de Ana Clara, a única jovem que não bebeu, não quis comentar o resultado do laudo. Uma amiga das adolescentes contou que a jovem só foi com Ivan para evitar que ele corresse:

¿ Eles já haviam brigado recentemente por causa de bebida, pois a Ana não bebia. Ela resolveu ir com Ivan porque achava que ia segurar a onda dele. A Manoela e a Joana foram com ela em solidariedade, pois o combinado era que elas iriam de táxi.