Título: PEDIDO DE UNIDADE CONTRA O TERRORISMO NUM PAÍS DIVIDIDO
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 12/09/2006, O Mundo, p. 29

Al-Qaeda sincroniza comunicados com discursos de presidente americano cinco anos depois dos ataques

Odia foi triste, tenso e marcado por recados políticos. As famílias e autoridades americanas se reuniram em cerimônias por todos os Estados Unidos em homenagem aos quase três mil mortos nos atentados do 11 de Setembro, mas o momento de emoção foi sutilmente aproveitado pelos políticos. Do Salão Oval da Casa Branca, o presidente George W. Bush pediu ao país que ponha de lado suas diferenças e se una para vencer o terrorismo, repetindo a cena e o cenário de cinco anos antes, quando fez o seu primeiro discurso depois dos ataques terroristas, na esperança de reconquistar a popularidade conseguida naquela época e perdida nos últimos dois anos.

¿ Vencer essa guerra vai requerer esforços determinados de um país unido. Precisamos pôr de lado nossas diferenças para enfrentar o teste que a História nos exige ¿ disse Bush, classificando a sua política antiterrorista de uma guerra pela civilização e pelo modo de vida dos países livres. ¿ Estamos numa guerra que definirá o curso deste novo século e determinará o destino de milhões em todo o mundo.

A nove semanas de uma eleição legislativa que ameaça fazê-lo perder a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes, Bush chamou de heróis os mortos nos atentados, mas aproveitou para defender sua política no Oriente Médio. O discurso do presidente ontem à noite foi o ponto culminante de uma estratégia montada cuidadosamente com o objetivo de aproveitar as cerimônias do 11 de Setembro para diminuir as críticas dos americanos à guerra do Iraque e às suas políticas domésticas. Bush e a primeira-dama fizeram minutos de silêncio ao lado de bombeiros num quartel perto do Ground Zero, foram à Pensilvânia depositar flores no lugar em que o avião da United foi derrubado pelos passageiros para evitar que os seqüestradores o usassem como bomba, e ainda participou de uma cerimônia no Pentágono. O périplo do casal pelas cerimônias estava carregado de simbolismos políticos.

¿ No 11 de Setembro vimos o rosto do demônio ¿ disse Bush, à noite.

A data simbólica também foi aproveitada pela al-Qaeda, que divulgou um novo vídeo com ameaças, advertindo que uma nova ação já estava em andamento e os alvos desta vez seriam Israel e países do Oriente Médio aliados dos EUA. Numa audaciosa sincronia, a rede terrorista vem respondendo com mensagens gravadas aos discursos políticos do presidente americano. Ontem, pouco antes de George e Laura Bush se unirem aos bombeiros em Nova York para relembrar as vítimas dos atentados, o número dois da organização terrorista, Ayman al- Zawahri, aparecia na CNN convocando os muçulmanos para novos ataques contra os EUA e o Ocidente. No meio da semana, enquanto Bush reafirmava a política antiterrorista americana, a al-Qaeda veiculava imagens de Bin Laden preparando o 11 de Setembro.

A nova fita só criou mais tensão num dia para sempre marcado pelo medo de um novo atentado. Uma pesquisa mostrava que 57% dos nova-iorquinos acham que haverá novos ataques à cidade. Outra dizia que 51% dos consultados duvidam que Bin Laden seja capturado. Por causa do simbolismo da data, a segurança foi reforçada em todo o país, especialmente em Nova York, onde as ruas em torno do Ground Zero estavam bloqueadas e o espaço aéreo também, com policiamento pesado em estações de metrô e de trem. Com sensibilidades à flor da pele, alarmes falsos acabaram provocando pequenos incidentes: por causa de uma bolsa abandonada, foi fechada entre 8h25m e 8h40m a Estação Pensilvânia, uma das mais movimentadas da cidade. Por causa de uma mochila sem identificação no compartimento de bagagem e um celular abandonado a bordo, um vôo da United Airlines para São Francisco fez um pouso de emergência em Dallas. Em Los Angeles, o prédio da ATT foi evacuado e um pacote suspeito deixado num carro provocou o fechamento de um aeroporto em Long Beach. Nenhum explosivo foi encontrado em qualquer um dos lugares.

¿ Cinco anos se passaram e continuamos juntos. Mas, não é fácil voltar a este lugar ¿ disse o prefeito Michael Bloomberg, abrindo a cerimônia no Ground Zero.

Apesar da presença de políticos por toda parte ¿ até o ex-prefeito Rudolph Giulliani ressurgiu ¿ foi um dia para relembrar o horror. Com lágrimas nos olhos e fotos dos mortos, as famílias depositaram flores nos dois espelhos d¿água improvisados no espaço antes ocupado pelas torres, observaram minutos de silêncio nos momentos exatos em que os aviões bateram e derrubaram cada uma das torres, ouviram abraçados os 2.749 nomes dos mortos lidos por maridos, mulheres, namorados e companheiros, que, emocionados, falavam de dor e saudade. O caldeirão cultural nova-iorquino ficava evidente na diversidade de sobrenomes, indicando gente de todos os lugares do mundo. Alguns usavam a língua materna nas mensagens.

¿ Você me ensinou a rir de mim. Sinto falta de sua risada ¿ disse uma mulher lembrando da companheira.