Título: UM BURACO ABERTO NO CORAÇÃO DE MANHATTAN
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 12/09/2006, O Mundo, p. 31

Disputas emperram projetos para o local onde ficavam as torres, e previsão mais otimista para novo prédio é 2012

NOVA YORK. Não era para ser assim. Logo após o 11 de Setembro, o Ground Zero era visto pelos nova-iorquinos como símbolo da dor pela morte de 2.749 pessoas, da solidariedade com as famílias dos mortos no ataque ao World Trade Center, da determinação da cidade em superar o drama causado pela derrubada das torres, de curar a ferida e reconstruir rapidamente um futuro mais alto, forte, brilhante e poderoso no sul da ilha de Manhattan.

Mas nada disso aconteceu e, cinco anos depois, um enorme buraco continua aberto no coração da cidade. Foi com festa, no dia 4 de julho de 2004, que o governador de Nova York, George Pataki, lançou a pedra fundamental da Torre da Liberdade, o prédio-símbolo da recuperação de Manhattan, mas ela ficou esquecida num canto por quase dois anos, até março deste ano, quando finalmente começaram as obras de fundação do prédio. Em ritmo lento, poucos operários trabalham no Ground Zero à espera de definições dos poderosos, envolvidos numa decepcionante batalha de egos, em que todos brigam com todos, e o resultado são atrasos sucessivos nas obras.

Prevista inicialmente para ficar pronta em 2007, a meta mais otimista agora para o fim da construção da Torre da Liberdade é 2012. Mas o construtor Larry Silverstein já alertou que este prazo pode ser uma ficção se a Autoridade Portuária, a agência estatal dona do terreno, continuar com suas exigências.

Primeiro projeto foi vetado

Os maiores e mais premiados escritórios de arquitetura do mundo, entre eles Frank Ghery, Santiago Calatrava, Norman Foster, Richard Rogers, Daniel Liebskind e Fimuhiko Maki, continuam produzindo projetos em cima de projetos para os prédios que formarão o enorme conjunto de sete torres, um memorial, um centro de artes e um sistema de transportes. O problema não está no excesso de projetos ¿ alguns deles espetaculares ¿ mas sim nos constantes desentendimentos que separam há praticamente cinco anos políticos, burocratas de inúmeras agências governamentais, arquitetos, engenheiros, construtores e as famílias das vítimas. Tudo cria polêmica, até o nome do mais simbólico dos edifícios. A polícia considerou uma provocação chamar o prédio de Torre da Liberdade, como orgulhosamente o governador Pataki batizou o projeto de Daniel Liebskind, o arquiteto vencedor do concurso internacional lançado logo depois do ataque para escolher o plano diretor do Grond Zero.

O primeiro projeto da Torre da Liberdade, com formas leves e belas, também foi vetado pelos serviços de segurança, se transformou num bunker inexpugnável, que desagradou todo mundo, e acaba de passar por um terceiro redesenho. As famílias das vítimas, hoje organizadas em associações rivais, brigam praticamente desde os primeiros momentos, divididas até mesmo em relação ao conceito que deve gerir o memorial e o centro de artes. Uma das reivindicações das famílias é não construir nada no enorme espaço que era ocupado pelas duas torres, sob o argumento de que o lugar é sagrado e não se deve erguer nada em cima dos mortos.

Uma pesquisa realizada em julho pela Pace University revelou que a enorme maioria dos nova-iorquinos considera que está tudo errado na reconstrução do WTC, com todos os envolvidos brigando publicamente, trocando duras acusações pelo enorme atraso nas obras, e o gigantesco aumento nos custos causado pelos repetidos redesenhos dos prédios.

¿ Ninguém pode estar satisfeito com o que está acontecendo. Existem muita tensões e as menores partes do projeto são contestadas ¿ lamentou o arquiteto Daniel Liebskind.

Sem a Torre da Liberdade para compor o cenário dos eventos em memória do 11 de Setembro, a Autoridade Portuária revelou projetos para três novas torres que mudarão Manhattan em 2012. Com desenhos ousados e fachadas de vidros, as torres são assinadas por mais estrelas da arquitetura: Norman Foster, Richard Rogers e Fimihiko Maki. Quem viver, verá, mas, por enquanto, todos os projetos do Ground Zero estão sendo vistos com enorme ceticismo pelos nova-iorquinos.