Título: FOGO NOCIVO
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 13/09/2006, O País, p. 2

O vazio de idéias, a ausência de debate, a falta de programas e de originalidade dos candidatos certamente explicam a ressonância adquirida por uma questão intrapartidária como a do PSDB, tendo como dínamo o ex-presidente Fernando Henrique. Sua declaração ao colunista Merval Pereira, de que teme o uso de Aécio Neves pelo PT "como inocente útil", beirou a desqualificação.

Mas o governador de Minas mordeu a língua, fez uso da habilidade e até de um certo estoicismo mineiro para não reagir. Pois, quando se aponta alguém como um possível "inocente útil", sua lucidez e seu discernimento estão sendo questionados. Quando se trata de um quadro partidário que está dando provas tão evidentes da força de sua liderança, é um despropósito. Isso é que se ouvia ontem dos políticos mais próximos do governador.

Ele mesmo deu voltas o dia todo, evitando, em três entrevistas, alimentar a querela ou entrar num bate-boca com o ex-presidente, o que faria as delícias do petismo e aumentaria as dificuldades da campanha de Alckmin:

- É um grande aliado (FH) e, obviamente, ele fez alguma consideração que julgou necessário fazer. Eu tenho uma posição muito pessoal, minha preocupação fundamental é ajudar o candidato Geraldo Alckmin a chegar ao segundo turno. Então, tudo o que vier na direção contrária, as discussões internas, precipitações, cenários de 2010 antes de 2006, tudo isso é um equívoco primário que não devemos cometer. Não contem comigo para botar lenha nessa fogueira.

Mais cedo, lembrando JK ao entregar a medalha que leva seu nome, em Diamantina, evocou a "arte da política", não o livro de FH, mas o modo de fazê-la cultuado pelos mineiros.

- É preciso que saiamos desta política de acusações de lado a lado, de declarações oportunistas. Precisamos voltar à política de construção nacional, de um grande projeto de país. (...) Você não precisa ofender, você não precisa tratar os adversários como inimigos irreconciliáveis. Você não pode fazer política achando que alguém, por estar em campo ou partido adversário, só tem defeitos. E que aqueles que estão a seu lado só têm virtudes. Os brasileiros não aceitam mais isso.

Por declarações e práticas dessa natureza, Aécio é mesmo visto pelos petistas como um interlocutor importante no eventual segundo mandato de Lula, quando ele tentará, se reeleito, costurar um entendimento em torno de agendas específicas. Outra coisa seria uma aproximação maior para a sucessão de 2010, quando Lula pode vir a ser um grande eleitor, mas não terá um delfim petista. Esse pode ser um desejo, uma intenção, mas não passa ainda de uma hipótese que instiga os analistas e os observadores e, pelo visto, incomoda Fernando Henrique.

O problema da luta interna, em qualquer partido ou agrupamento, é que em algum momento ela começa a ganhar dinâmica própria. Ontem, já no início da noite, provocado sobre como seria seu relacionamento com Lula caso este seja reeleito, depois de reiterar seu empenho e sua preferência por Alckmin, Aécio comentou a hipótese:

- O presidente Lula respeita o governador de Minas. E é bom para Minas ter aqui um servidor do presidente da República. Isso faz parte da nossa história, da nossa tradição. Minas se faz respeitar pela firmeza de dirigentes, pelo apoio que eles tenham dentro do nosso estado.

Realmente, nesta hora de adversidade, o PSDB não precisava estar vivendo mais este desconforto.