Título: 'Meia dúzia de moleques põe hoje o Estado do Rio de joelhos'
Autor:
Fonte: O Globo, 13/09/2006, O País, p. 14

Denise Frossard (PPS) diz que em algumas favelas o crime não é organizado e está nas mãos de garotos armados, drogados e sem nada a perder; para ela, há bandidos também na Alerj

Quinta entrevistada da sabatina do GLOBO com os candidatos ao governo do Estado do Rio, Denise Frossard (PPS) manteve ontem o foco no tema principal de sua campanha: a segurança pública. Juíza aposentada que ganhou fama ao decretar a prisão dos banqueiros do jogo do bicho, em 1993, a deputada federal afirmou que o tráfico de drogas no estado não está tão organizado em algumas comunidades como se costuma dizer. "É um vexame que essa meia dúzia de garotos fortemente armados coloque o estado de joelhos", disse. Ela também tratou como bandidos alguns deputados da Assembléia Legislativa do Rio, a quem acusou de não ter "currículo, mas prontuário". Ao dizer como pretende dobrar os orçamentos de segurança, educação e saúde, a candidata afirmou ainda que a "metástase do tumor" do esquema do propinoduto na arrecadação do ICMS continua ativo, talvez financiando campanhas eleitorais. Sobre a formação de seu secretariado, caso seja eleita, prometeu reduzir as mais de 20 secretarias para dez - cinco para homens e cinco para mulheres. "Não é cotas. O equilíbrio de gênero é altamente benéfico de acordo com pesquisas do Banco Mundial", argumentou. Denise Frossard foi entrevistada pelos editores-executivos Luiz Novaes e Ascânio Seleme, a editora Silvia Fonseca (O País), os editores-adjuntos Fernanda Godoy (O País), Jorge Antônio Barros (Rio) e Cristina Alves (Economia), o editor-assistente Marcelo de Mello (Jornais de Bairros) e pelos repórteres Fellipe Awi e Rodrigo March.

Pesquisas

A que a senhora credita o seu crescimento recente nas pesquisas e o que fará para tentar chegar no segundo turno?

DENISE FROSSARD: Esse crescimento é constante e numa velocidade que até pensávamos que fosse maior. A gente credita isso ao programa eleitoral e à entrada do prefeito Cesar Maia, porque o meu crescimento na Zona Oeste foi visível. Para manter essa curva ascendente, vamos continuar com as nossas propostas e fazendo campanha na rua. Tenho um único adversário, que é o modelo que aí está, que faz da corrupção instrumento de ação política, que canibalizou o serviço público. Proponho uma ruptura deste modelo, que tem nome: Sérgio Cabral Filho, como poderia ser Rosinha e Garotinho.

Favelas

A senhora disse que continuará fazendo campanha na rua e começou fazendo campanha numa favela. Pouco tempo antes, deu uma declaração de que não subiria favelas na campanha.

FROSSARD: Disse que era perigoso ir a qualquer favela que não estivesse urbanizada. É tão verdade que, quando estou nas comunidades, falo com a TV na parte de baixo.

Que tipo de dificuldade a senhora está enfrentando nas favelas?

FROSSARD: Se vou com todo mundo da campanha, vou nas comunidades em que há algum tipo de trabalho da prefeitura, que não chegam a um terço. Nessas favelas, ainda há alguma forma de subir. Mas, mesmo nessas, há meia dúzia de moleques dominando. Ontem (segunda-feira) falei isso para o Vladimir (Palmeira, candidato do PT) e ele disse que era crime organizado. Não é. Me desculpe, mas o Vladimir não sabe o cheiro de um criminoso quando está sendo julgado ou dentro da cadeia. O crime organizado é outro. É um vexame que essa meia dúzia de garotos fortemente armados coloque o estado de joelhos. Por que o crime tem que ficar lá em cima e não a polícia? Então, criam-se guetos. Algumas comunidades são inexpugnáveis ainda. O Complexo do Alemão, por exemplo, é um grande desafio. Fui lá sozinha, não em campanha. Eles rejeitam qualquer classe política e com razão.

Corrupção

A senhora já disse que 30% dos policiais não têm jeito. Como pretende sanear as polícias?

FROSSARD: A gente, que é do ramo, trabalha com 30% de policiais incorruptíveis, 40% que navegam ao sabor da ideologia dominante e 30% da banda podre mesmo. Então, a gente conta com 70%. Os outros vão sendo empurrados e a gente vai filtrando aos poucos. É assim em todos os lugares. O que vai determinar o sucesso da empreitada é o combate à impunidade. Do jeito que está, não pode ficar. Mais de 20 varas criminais foram transformadas em cíveis, porque não há freguês. Sérgio Cabral propõe dobrar o efetivo da PM. Mas ele não diz os seus critérios. Aqui tem mais policial por habitante do que em outros estados. Então, algo está errado: a gestão. O nosso sistema é dos mais perfeitos. A Polícia Militar faz policiamento e a outra investiga. Mas essa polícia que vai para as ruas tem que saber o que a outra faz. É preciso unidade.

Como a senhora pretende enfrentar a falta de transparências das corregedorias de polícia?

FROSSARD: Toda investigação tem um sigilo. Vocês não vão encontrar um jornalista que tenha recebido de mim na CPI alguma informação sigilosa? Não pode, porque no primeiro momento a investigação é muito séria. Coloquem-se no lugar do investigado. Exemplo: quando o (Anthony) Garotinho pegou todos os policiais que estavam sendo investigados e, num ato de total irresponsabilidade, disse que ia acabar com a banda podre da polícia, mandou todos embora sem concluir os inquéritos. Todos recorreram à Justiça e voltaram. Ele não terminou os inquéritos e, mais uma vez, jogou para a platéia, dizendo: deixa o Judiciário pagar essa conta. Ele não tem apreço pelas instituições. As correições no serviço público deveriam ser feitas por corregedorias independentes, com quadros próprios.

Mas a secretaria tem quadros desse tipo...

FROSSARD: Não tem. Eles são demissíveis. Eles são funcionários, mas não têm mandato próprio. Já no secretariado, eu não abro mão.

Secretariado

Como seria, então, formado o seu secretariado?

FROSSARD: Será um secretariado enxuto, com dez secretarias, com cinco homens e cinco mulheres.

O critério é esse?

FROSSARD: Não. O critério é o da excelência, do mérito. Mas garanto que temos muito mais do que cinco mulheres da melhor qualidade em todas as áreas.

É uma política de cotas?

FROSSARD: É uma política do equilíbrio. Não há cotas, por favor. O equilíbrio de gênero é altamente benéfico de acordo com pesquisas do Banco Mundial. Nos países onde há esse equilíbrio, está comprovado que a corrupção e a mortalidade infantil são menores e o desenvolvimento econômico é maior. São países mais prósperos, como os países do Norte europeu e o Chile.

Rosinha

Já temos uma governadora do sexo feminino. A senhora acha que houve avanços?

FROSSARD: Você disse bem. Uma governadora do sexo feminino, o que não significa uma governadora. A governadora Rosinha não chegou ao poder por influência dela, e ela mesmo diz isso e nisso deve ser louvada. Diz que chegou por conta do marido. Quem votou nela votou nele.

HH e Alckmin

A sua candidata à Presidência é a Heloísa Helena?

FROSSARD: Não. Sou muita amiga da Helô, mas não vou votar nela, embora fosse merecedora do meu voto por suas qualidades pessoais. Mas temos algumas divergências. Sou mais liberal, e a Helô é muito mais radical. Apesar disso, a nossa amizade é indestrutível. Mas também acho que ela não votaria em mim. Sou muito liberal. Este é o nosso relacionamento. Já declarei meu voto em Geraldo Alckmin. É um voto tranqüilo.

Tranqüilo sem empolgação?

FROSSARD: É. Ele é um homem de bem, sucessor de Mário Covas, tem condição de fazer um bom governo, mas não há ninguém que me empolgue.

Segundo turno

A senhora concorda com a tese de que é a única opção ao Sérgio Cabral no segundo turno, considerando que o candidato Marcelo Crivella teria um teto eleitoral? E a senhora tem alguma estratégia para chegar ao segundo turno?

FROSSARD: Concordo. E, no segundo turno, há condições de debater com mais profundidade as idéias.

Mas o candidato da situação não vai a debates.

FROSSARD: Isso é muito ruim. Você pode apanhar, mas tem que ser honesto. Eu, por exemplo, acho esses debates horríveis, com toda honestidade. Primeiro, porque durmo às 21h e acordo às 5h. Pretendo, da próxima vez, não ir mais a debates à noite. Não tenho mais idade para isso.

Oposição

Por que tanta dificuldade em construir uma candidatura de oposição?

FROSSARD: O esforço isolado é inútil. Eu fui a única que propôs uma frente. O Eduardo Paes (candidato do PSDB) se lançou candidato sem conversar com ninguém. Ele não quis se submeter ao nosso acordo, ou seja, todos faziam suas campanhas e mais adiante quem estivesse em melhor condição seguiria. Mas ele não aceitou. Acho lamentável, porque é um garoto que tem futuro, como o (deputado) Rodrigo Maia (PFL).

Jogo do bicho

Desde que a senhora condenou a cúpula do jogo do bicho, a Liga das Escolas de Samba só fez aumentar o seu poder no Carnaval do Rio. Como a senhora vai administrar essa relação?

FROSSARD: A questão da Liga é com a prefeitura, mas onde houver dinheiro público tem que ter transparência. O Carnaval é a marca do Rio e lamento que a governadora não faça um calendário para manter o turista após o evento. A Liga é uma pessoa jurídica. Se precisar de alguma parceria com o estado, terá. Mas o contrato é de gestão. Dinheiro do estado passa por auditoria. A execução do orçamento irá no primeiro dia de meu governo para a internet.

Cesar Maia

Houve uma época em que o seu relacionamento com prefeito Cesar Maia não era tão bom. Numa entrevista, a senhora disse que jamais aceitaria compor chapa com ele e o o chamou de responsável pelas mortes no estado, assim como o casal Garotinho. A senhora mudou de opinião?

FROSSARD: Eu me referia ao programa Favela-Bairro. Achava que ele não entrava como deveria nas comunidades carentes. Mas esse mea-culpa eu já fiz. Ele não entrava porque o estado não tirava o braço armado do crime.

Bilhete único

As favelas foram entrando nas matas. O que a prefeitura deixou de fazer?

FROSSARD: As prefeituras não têm o braço armado. Essa expansão tem que ser contida, muitas vezes, pelas forças policiais e, concomitantemente, com políticas sociais. Ninguém mora ali porque quer. É por que a passagem fica cara para o empregador. Por isso, proponho um bilhete único de duas horas.

Mas como convencer os empresários de ônibus?

FROSSARD: Entreguei esta tarefa a um técnico, para que chegue a um valor, mas o estado entraria com uma contrapartida.