Título: Medidas de ocasião
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 14/09/2006, Economia, p. 28

O pacote imobiliário ajudará as empreiteiras, permitindo que elas sejam financiadas diretamente; o pacote contra o spread bancário reduziu a taxa paga pelos bancos para formar um fundo contra crises bancárias; o pacote agrícola ajudou multinacionais e grandes empresas brasileiras ao refinanciar as dívidas que os pequenos produtores tinham com essas empresas.

O pacote habitacional tem claro objetivo eleitoral; do contrário, não estaria sendo anunciado às vésperas da eleição, mas a grande pergunta é: vai funcionar? Pode ser que incentive, sim, o setor de construção civil e o mercado imobiliário, mas o pacote tem vários defeitos. Financiar as construtoras é uma idéia antiga, foi feita no passado e deu prejuízo à Caixa Econômica; o crédito consignado lembra a equivalência salarial, que deixou um rombo enorme; os incentivos fiscais estão nos produtos errados.

A crítica mais importante é a que foi feita ontem na coluna de Flávia Oliveira por Roberto Kauffmann, do Sinduscon-Rio. Ele disse que ficou muito frustrado porque o pacote incentiva a moradia da classe média, mas não trata da habitação de R$40 mil a R$50 mil, para a faixa de um a cinco salários mínimos; mercado onde há falta de 711 mil imóveis só no Rio.

A atual e frenética temporada de pacotes do Ministério da Fazenda tem sido apresentada como uma forma de ajudar os pequenos, mas ajuda, principalmente, os grandes. Na área imobiliária, o que as empreiteiras mais queriam era a volta do financiamento direto a elas, que foi abandonado no passado após episódios de quebras de empresas. Isso concentrava muito o risco que era bancado pela Caixa Econômica.

O crédito consignado para a compra da casa própria só vai dar certo se o trabalhador mantiver o emprego. Ligar salário à prestação da casa própria já foi tentado no governo militar e deu num enorme esqueleto que foi enfrentado pelo governo passado: o FCVS.

Incentivo para chuveiro elétrico é uma contradição energética, porque, como se sabe, esse aparelho é um sorvedouro de energia. No apagão, era o vilão; agora passará a ser incentivado. Estão sendo desonerados produtos de acabamento, e não de início da construção, a maior necessidade dos mais pobres. E se a queda do imposto for para o cimento? Kauffmann também explicou o problema: isso sempre alimentou a autoconstrução, que não é a forma de fazer ordenamento urbano, nem de ter uma política habitacional sustentável.

A construção civil e o mercado imobiliário são fundamentais por vários motivos: aumentam a atividade econômica, criam emprego e aumentam a oferta de imóveis. Há, como se sabe, um crônico déficit na área. Pensar em medidas na construção residencial é algo sempre bem-vindo. Só pode ser enfrentado direito quando se resolvem dois outros problemas macroeconômicos: a inflação alta e os juros altos. A inflação, felizmente, vencemos, após duas décadas de luta insistente. Os juros, ainda não.

Enquanto os juros reais forem de dois dígitos no Brasil, não haverá milagre que torne baixo o custo do financiamento. O fim da TR não será uma exceção. Para que o crédito seja seguro para as três partes (comprador, vendedor e financiador), o país precisa ter juros normais. Eles estão caindo, mas ainda permanecem muito acima do necessário para o desenvolvimento de um mercado de crédito imobiliário no Brasil.

Fazer pacotes de afogadilho para alimentar a onda de apoio à reeleição é a pior forma de comandar os assuntos do Ministério da Fazenda, que tem a obrigação de ficar à parte da conjuntura eleitoral. As medidas na área habitacional não eram segredo para ninguém, estavam prontas há semanas, poderiam ter sido divulgadas na semana passada, junto com as medidas de redução do spread bancário. Não foram divulgadas porque estavam esperando a agenda do presidente Lula. Ele pessoalmente queria aparecer na foto.

Há uma característica curiosa nas medidas anunciadas este ano pelo governo. Elas parecem ser a favor dos menores, mas ajudam mesmo os maiores. O pacote agrícola, por exemplo, travestido de ajuda aos pequenos, cedeu a uma reivindicação que ajudou os grandes produtores de soja, como Cargill e Bunge. Isso, além de ser um socorro aos grandes, que estatizaram parte do prejuízo, pode acabar sendo o apoio a práticas condenáveis do ponto de vista ambiental. A produção de soja em área desmatada na Amazônia é, muitas vezes, financiada pelo crédito direto das grandes tradings.

No pacote para reduzir os spreads bancários, os mais felizes eram os próprios banqueiros. Eles deixarão de recolher cerca de R$850 milhões por ano para o Fundo Garantidor de Crédito, que protege o investidor em caso de quebra da instituição. O governo diz que o fundo já tinha fundos demais; no valor de R$9 bilhões. Pode ser mesmo que não seja necessário o recolhimento de recursos a esse fundo, mas o fato é que o pacote, que supostamente era para reduzir o lucro dos bancos, aliviou os banqueiros.

As medidas que o governo tem adotado são necessárias. Aumentar a competição entre os bancos e reduzir o spread bancário, estimular o mercado imobiliário são medidas necessárias ou inevitáveis, mas o problema é serem apresentadas assim, como panacéias em época eleitoral.