Título: PAÍSES FECHAM ASSOCIAÇÃO EM BIOCOMBUSTÍVEL
Autor: Eliane Oliveira e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 14/09/2006, Economia, p. 32

Entre outros acordos, Brasil vai transferir tecnologia do etanol a Índia e África do Sul, produtores de cana-de-açúcar

BRASÍLIA. Decididos a provar que a proposta de integração Sul-Sul deixou de ser mero discurso e tornou-se uma alternativa concreta de política externa, o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, e os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Thabo Mbeki, da África do Sul, estabeleceram ontem os eixos da parceria estratégica entre os três países, com a assinatura de cinco atos, sendo o mais importante um acordo de cooperação na área de biocombustíveis. O objetivo é fazer com que o etanol e o biodiesel se transformem, definitivamente, em commodities no mercado internacional.

Empolgado, o primeiro-ministro indiano citou o ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek. Segundo Singh, o grupo Brasil, Índia e África do Sul (Ibas) também quer fazer ¿50 anos de progresso em cinco¿, em termos de crescimento e desenvolvimento. Já para Lula, a aliança é uma saída para evitar que as nações em desenvolvimento fiquem de costas umas para as outras:

¿ Ainda não alcançamos todos os nossos intentos, mas, certamente, já conseguimos mais do que nos últimos 50 ou 60 anos, porque estávamos de costas uns para os outros, todos olhando para o mundo desenvolvido e vendo o potencial de possibilidades que existe no exercício de uma política de complementaridade entre África do Sul, Índia e Brasil.

Empresários temem acirramento da concorrência

Os atos assinados ontem tratam também de transporte marítimo, sociedade da informação, agricultura e normas técnicas, que, em diversas ocasiões, são barreiras no comércio entre os mercados. No caso do etanol, caberá ao Brasil transferir tecnologia à Índia e à África do Sul, que já são produtores de cana-de-açúcar.

¿ Esta é a afirmação pública de que acreditamos na relação Sul-Sul ¿ disse Lula.

No encontro, o presidente e seus convidados defenderam a atuação conjunta para reformular os organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e ampliar a influência dos países emergentes nas negociações da Organização Mundial do Comércio e nas Nações Unidas.

O primeiro-ministro indiano destacou que somente com a integração intercontinental será possível conviver melhor na ¿aldeia global¿. Singh afirmou que, com o estreitamento das relações comerciais, o Ibas terá condições de receber mais investimentos e aumentar seu Produto Interno Bruto (PIB) de US$1,2 bilhão para US$2 trilhões até o fim de 2007:

¿ As vantagens dessa relação trilateral são visíveis. Unimos três continentes: o Brasil, na América Latina; a Índia, na Ásia; e a África do Sul, na África. Enquanto o Brasil tem biocombustíveis para nos oferecer, temos a tecnologia da energia solar e eólica.

¿ Não é por acaso, ou por acidente, que estamos aqui hoje ¿ reforçou Mbeki.

Os líderes decidiram fazer uma nova cúpula do Ibas em 2007, na África do Sul.

Mas a forte aproximação ainda é vista com cautela pelos empresários dos três países. Eles elegeram os setores de agronegócio, energia, tecnologia da informação, indústria farmacêutica, biotecnologia e pesquisa e desenvolvimento como os convergentes ¿ e, por isso, não acirrariam a competição entre os mercados.

A postura defensiva do empresariado fez com que nenhum dos chefes de Estado mencionasse a possibilidade de um acordo de livre comércio entre Mercosul, Índia e União Aduaneira da África Austral (Sacu).

¿ O grande desafio é criar acordos de complementaridade, e não acordos predativos. Nenhum de nós aceitaria isso ¿ disse o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb.