Título: Cartilhas e eleição
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 15/09/2006, O GLOBO, p. 2

O governo mandou imprimir cartilhas divulgando seus feitos, pagou caro e entregou uma parte do lote ao PT. É grave, e é espantoso que o partido tenha assumido com naturalidade o que fez: propaganda política com recursos públicos. O caso fica em pauta até o dia da eleição, mas produzirá efeitos eleitorais? Pouco provável. Mais uma vez, atinge o PT, mas passa ao largo de Lula.

Outros títulos do gênero corrupção/irregularidades entraram em cartaz na conjuntura eleitoral: sanguessugas, volta dos vampiros, CNEs da Câmara, cartilhas e uma boa lista de operações da Polícia Federal contra máfias diversas. Eleições trazem sempre esse saudável vento moralizador. Candidatos, partidos e governos entram na mira de adversários, da imprensa e das instituições encarregadas de combater ilícitos e irregularidades. Nem sempre ele continua a soprar depois do pleito, como deveria acontecer.

O caso das cartilhas do PT é continuação do escândalo do mensalão, quando foram investigados contratos de publicidade superfaturados. Reclama o governo que o exame do TCU não avançou durante os últimos meses para ser apresentado agora, às vésperas da eleição. É assim mesmo, é do jogo. Poderiam o PT e o governo ter se adiantado, apresentado explicações. Não o fizeram, e agora o partido revela o que nunca admitiu: lançou mão de material pago com recursos públicos para fazer propaganda política. Neste sistema de reeleição é assim: falar bem do governo torna-se a prioridade de seu partido. Todos os governos fazem propaganda de si mesmos. Na administração passada, todo ano era lançada uma vistosa cartilha por ocasião do aniversário do Plano Real, mostrando os benefícios trazidos pelo fim da inflação. Preços à parte (o TCU acha que as cartilhas do atual governo foram superfaturadas), nunca se soube que o PSDB foi encarregado de distribuí-las. Espantosamente, o PT assume que fez, e os responsáveis pela instalação desse vaso comunicante devem ser condenados.

A oposição tenta, naturalmente, tirar o maior proveito deste novo escândalo. Declara que ele pode sustentar um pedido de impeachment contra Lula, mesmo reeleito. Mas é pouco provável que este escândalo tenha força para tirar votos de Lula a ponto de alterar significativamente o quadro eleitoral. Primeiro porque o eleitor está saturado de denúncias e, segundo as pesquisas qualitativas, entende, ainda que esteja errado, que não há santos na política. Não havendo, fica com quem está lhe garantindo melhora de vida. Segundo porque Lula, mais uma vez, não está diretamente envolvido no episódio, embora os responsáveis pelo caso fossem, na época, ligados diretamente a ele, como o ex-ministro Gushiken. Realisticamente, o caso pode ser mais útil à oposição, caso resolva retomar a questão do impeachment, mesmo com Lula reeleito. Para fazer barulho, é sempre possível falar em impeachment. Para que isso tenha conseqüências, é preciso não apenas a base jurídica, mas também uma correlação de forças favorável. Isso depende ainda das urnas.