Título: LULA REAGE E ATACA FH
Autor: Rodrigo March
Fonte: O Globo, 15/09/2006, O País, p. 3

Petista diz que maioria dos casos de vampiros e sanguessugas é do governo anterior

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ontem, atribuindo ao governo anterior 81% dos casos que a Polícia Federal conseguiu desbaratar envolvendo as máfias dos sanguessugas e dos vampiros. Foi uma resposta às últimas críticas à corrupção no governo petista feitas pelo ex-presidente em carta aberta aos tucanos. Lula se mostrou ressentido com Fernando Henrique durante os 20 minutos da entrevista que deu ontem ao ¿Jornal da Band¿:

¿ Eu não disse 10% do que ele vem dizendo de nós. Mas cada um será julgado. Certamente, ele está irritado, sem espaço político, e com uma rejeição forte nas pesquisas todas. Mas um homem que estudou como ele estudou, letrado como ele, não poderia ter este comportamento. De mim, é até possível aceitar um comportamento mais rude ¿ disse o presidente.

Lula criticou ainda o governo de São Paulo ao dizer que até agora o presídio federal de Catanduvas, no Paraná, não recebeu os 40 presos prometidos pelo estado. Sobre os episódios de corrupção que seu governo enfrentou, o presidente pôs a culpa no sistema político brasileiro e não quis mencionar o nome de seus ex-ministros envolvidos.

¿ Não posso aceitar que o (Carlos Alberto) Parreira errou nas suas escolhas. A qualidade política desses nomes é inegável ¿ disse, referindo-se aos ex-ministros José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken (este ainda no governo) e ao publicitário de sua campanha em 2002, Duda Mendonça. Os principais trechos:

EMPREGOS PARA JOVENS: ¿Estamos fazendo uma política muito forte para a juventude brasileira. Nesses 41 e poucos meses de governo, temos programas que envolvem 711 mil jovens, que vão do Soldado-Cidadão ao Pró-Jovem, além do Pró-Uni e da construção de escolas técnicas. Estamos fazendo muita coisa. O problema é importante e sério para o Brasil. Se não cuidarmos agora da juventude, amanhã teremos que estar construindo cadeias para eles. Por isso, é importante investir em emprego e educação, para dar oportunidade a esses jovens.¿

PRIMEIRO EMPREGO: ¿Há outras formas do primeiro emprego, se você imaginar que nesses programas de jovem estamos pagando um salário que é um estímulo para o jovem estudar e ter uma profissão. O programa Primeiro Emprego teve problemas, mas mesmo assim deu um salto de qualidade com a Lei do Aprendiz. E o emprego da juventude está ligado diretamente ao crescimento da economia. Não há mágica.¿

TRAIDORES DO MENSALÃO: ¿Me senti traído porque sei o sacrifício que foi criar o PT. De repente, algumas pessoas enveredam pelo mesmo ciclo vicioso da política brasileira. E o PT pagou um preço infinitamente maior do que os outros. Não me senti traído se foi por uma (pessoa). Foi por quem cometeu erros. O PT nasceu para mudar a cara da política brasileira. Obviamente que aqueles que cometeram erros vão pagar na Justiça ou porque os eleitores vão tentar moralizar um pouco a política brasileira, e eu pretendo dar a nova contribuição para isso. Só uma reforma política profunda pode mudar a cara da politica brasileira.¿

LIÇÃO DO MENSALÃO: ¿A principal lição que eu tiro é que o erro não é de um partido político ou de uma pessoa. O erro é do sistema, que está apodrecido. A lógica do sistema político está apodrecida. Há partidos que ainda não estão registrados definitivamente. São peças de negociação em época de campanha. Eu tomei as medidas que deveria tomar. Você não faz articulação com quem não quer. Na política, vamos ter que pensar três quartos de um mandato no Brasil e deixar um quarto para pensar a política. O problema é que se trabalha muito contra o Brasil dar certo. Esse projeto da micro e pequena empresa foi aprovado na Câmara. Entretanto, o Senado não vai votá-lo. Se não fizermos uma reforma que cuide da fidelidade partidária, de financiamento público, aí teremos que cuidar das maiorias eventuais em função de cada projeto.¿

JOSÉ DIRCEU, ANTONIO PALOCCI, LUIZ GUSHIKEN E DUDA MENDONÇA: ¿Não posso aceitar que o (Carlos Alberto) Parreira errou nas suas escolhas. A qualidade política desses nomes é inegável. No entanto, se as pessoas cometeram erros ¿ e ainda não está provado que cometeram ¿ têm que deixar o cargo, e elas deixaram o cargo. Este é o papel do presidente da República. O presidente não pode prender ninguém. A partir daí é com a polícia e o Ministério Público. Trabalhamos com três CPIs e você não me viu nervoso em nenhum momento. A minha parte está cumprida. Vamos continuar um processo sério de combate à corrupção nesse governo. As informações não serão engavetadas. O combate à corrupção é uma peça-chave para tornar o país mais respeitado no mundo.¿

AUTORITARISMO: ¿A liberdade de imprensa não é um desejo: é um compromisso de vida, até por que sou presidente por causa da liberdade de imprensa. Não que eu sempre concorde com o que a imprensa faz. Às vezes, ela condena inocentes, perdoa culpados. A imprensa também erra. Mas o exercício da democracia permite isso. Na melhor das hipóteses, o leitor vai julgar. O Conselho Federal de Jornalismo e a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) eram propostas que sequer foram discutidas no governo. Não eram propostas do governo, tanto que não aconteceram e não foi apenas porque a imprensa não gostou, mas porque não tinham sido discutidas.¿

SEGURANÇA: ¿O tratamento da segurança é igual ao das enchentes. A gente só lembra de falar das enchentes quando elas acontecem. Assumimos um programa de segurança pública. Equipamos a Polícia Federal, aumentamos salários. Acho que trabalhamos bem, mas o negócio está tão acumulado que, quando a coisa vai bem num estado, o governador corre para dizer: prendi. Quando não vai bem, o governo federal é o culpado. Não queremos nos eximir de culpa. Mas a nossa parte fizemos, como estamos dispostos a fazer mais. Exemplo: construímos (o presídio federal de) Catanduvas e estamos aguardando que São Paulo nos mande os 40 presos que até agora não vieram. Não sei o motivo. Vocês nunca viram na história a Polícia Federal com tanta eficácia e isenção.¿

MAIOR ERRO E ACERTO: ¿Não posso dizer isso. Do ponto de vista da política econômica, desafio os economistas brasileiros a dizerem se, desde a proclamação da República, houve um conjunto de fatores como temos na economia hoje. Poderíamos estar crescendo a 7%? Poderíamos. Mas crescimento a gente não faz assim. Estou otimista para um segundo mandato. As coisas estão prontas. O Brasil nunca esteve tão privilegiado para dar um salto de qualidade. O maior erro foi não ter feito no primeiro ano as coisas que estou conseguindo fazer agora. Não poderia fazer mágica, inventar um plano Verão, Bresser, Collor, porque isso tudo deu alegria de meio minuto e tristeza de horas e horas. Optamos pela seriedade.¿

FERNANDO HENRIQUE: ¿É difícil julgar o que pensa um ex-presidente. Entretanto, queria lembrar que 81% dos casos que a Polícia Federal desmontou envolvendo sanguessugas e vampiros começaram antes do meu governo. Aconteceram exatamente no governo do presidente Fernando Henrique. Possivelmente, ele também não sabia, porque a gente só sabe quando é investigado. Só tenho a lamentar que ele não tenha sabido se comportar como um ex-presidente da República. Eu não disse 10% do que ele vem dizendo de nós. Mas cada um será julgado. Certamente, ele está irritado, sem espaço político, e com uma rejeição forte nas pesquisas todas. Mas um homem que estudou como ele estudou, letrado como ele, não poderia ter esse comportamento. De mim, é até possível aceitar um comportamento mais rude. De qualquer forma, ele teve a oportunidade dele. Ele fica muito doente quando a gente compara os dois governos.¿

DEBATES: ¿Não é habito presidente ir a debate. O Fernando Henrique Cardoso nunca foi a debates e nunca ninguém cobrou dele. Eu cobrava muito, e não era ouvido. É preciso tomar cuidado. É difícil saber se sou presidente ou candidato, porque estou aqui agora e preocupado com o que aconteceu hoje na Bolívia. A instituição presidente da República não pode se expor num debate, porque você tem três pessoas que têm como único trunfo atacar a figura do presidente. Não é problema de estar na frente (nas pesquisas) porque, em 2002, estive na frente e fui a todos os debates. Tenho que preservar a instituição do presidente.¿