Título: Bebendo sem moderação
Autor: Daniel Engelbrecht e Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 15/09/2006, Rio, p. 18

Bares e boates incentivam o consumo de álcool oferecendo até doses quádruplas

Obordão ¿beba com moderação¿, do Ministério da Saúde, passa longe da noite carioca. Para atrair cada vez mais freqüentadores, bares e casas noturnas oferecem todo tipo de promoções que estimulam o consumo de bebidas alcoólicas, como bônus ¿ um tipo de consumação mínima disfarçada, em que o valor do ingresso está embutido no preço ¿, rodízios de chope e as chamadas doses duplas, triplas e até quádruplas. Jovens que passam as noites em boates da Zona Sul ¿ onde a maioria chega de carro, seja dirigindo ou de carona ¿ admitem que acabam bebendo a mais para gastar todo o valor do bônus. Para o deputado Paulo Melo (PMDB), autor da Lei 4.198/03, que veta a cobrança de consumação mínima em casas noturnas de todo o estado, o bônus é uma forma de burlar a proibição:

¿ O bônus é mais do que um estímulo ao consumo de álcool, é quase uma obrigação de beber. Essa prática vem estimulando os jovens a encherem a cara.

Na Sky Lounge, boate onde estavam os cinco jovens que acabaram morrendo num acidente de carro na Lagoa, na madrugada do dia 3 passado, homens pagavam R$70 e tinham direito a R$50 de bônus no bar. Preço semelhante é cobrado na Nuth, na Barra. Por R$50, o freqüentador tem direito a entrar e consumir esse valor. Os próprios jovens acham a cobrança abusiva.

¿ Acho que o bônus acaba estimulando as pessoas a beberem mais. É claro que ninguém é obrigado a consumir bebidas alcoólicas, mas isso é o que acaba acontecendo. Afinal, ninguém quer deixar dinheiro para a casa ¿ diz o estudante de administração Leonardo Zonenschein, de 21 anos.

A estudante de medicina Maria João Noronha, de 21 anos, diz que quem sai mais cedo acaba oferecendo o resto do bônus para os amigos que permanecem na boate. A estudante de odontologia Bianca Souza, de 20, ressalva que todos têm a opção de gastar o bônus com comida, mas observa que o ambiente é pouco propício para isso:

¿ Faltam mesas e cadeiras suficientes, há enormes filas para fazer o pedido.

Falta de fiscalização permite os abusos

Para a deputada Cidinha Campos, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj, falta fiscalização e aplicação de sanções aos estabelecimentos que oferecem consumação mínima disfarçada:

¿ O bônus é o atestado de trouxa que eles dão às autoridades. A hora em que começarem a responder por isso, com sanções administrativas e multas, vão parar. Bastaria pôr fiscais disfarçados para autuar quem cobra consumação ou vende bebidas alcoólicas para menores.

A falta de fiscalização também é mencionada pelo presidente da Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e ao Trabalhador (Anacont), Jose Roberto Soares Oliveira:

¿ O controle tem que ser feito pelo estado, com seus fiscais, e também pela Delegacia do Consumidor (Decon). Mas fiscalização, no Brasil, não existe.

Casas noturnas e bares também se valem de outros artifícios, estes legais, para atrair clientela. Na boate Mariuzinn, cada mulher paga R$20 e tem direito a três drinques. A bebida já é uma velha conhecida dos freqüentadores da casa noturna de Copacabana, citada em pelo menos quatro comunidades do site de relacionamentos Orkut. A mais famosa, ¿O bizarro drink da Mariuzinn¿, tem mais de três mil membros.

Na Devassa do Leblon, mulheres pagam R$24 e homens R$29 e podem beber chopes à vontade das 18h às 21h às segundas-feiras. Pagar uma bebida e ganhar o repeteco de graça também foi uma forma encontrada por vários bares e casas noturnas de Niterói, São Gonçalo e da Baixada Fluminense. Mas a casa Via Show, na Via Dutra, conseguiu inovar oferendo a dose quádrupla de cerveja, às quintas-feiras, na festa ¿Caldeirão da Via Show¿ ¿ na qual a entrada de jovens de 16 e 17 anos é permitida. Procurada, a casa de eventos não se manifestou.

O produtor de festas João Diniz, de 32 anos, atualmente organizador de três grandes eventos na cidade, diz que os freqüentadores reclamaram muito quando a lei proibindo a consumação mínima entrou em vigor. Pare ele, todos gostam de beber quando saem à noite e bares e boates não podem ser punidos se motoristas dirigem embriagados:

¿ Deviam aumentar a fiscalização nas ruas nas madrugadas ou instalar mais radares. O que mata não é a bebida, mas dirigir embriagado e em alta velocidade. Se fosse assim, nem festas de casamento poderiam servir tantas bebidas.

Para o diretor de comunicação do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio, Pedro de Lamare, faltam campanhas educativas para evitar a mistura de bebida e direção. Segundo ele, os estabelecimentos não podem ser culpados por incentivar o consumo de bebidas alcoólicas:

¿ Acho um equívoco misturar bônus com o aumento de consumo das pessoas. O que precisa haver é campanha educativa, não permitir que pessoas dirijam depois de beber acima do limite. Temos ambulantes vendendo bebidas nas ruas. Essa associação só vai prejudicar o entretenimento noturno no Rio.

A delegada-titular da Decon, Terezinha Pereira Gomes, informou através da assessoria da Polícia Civil que não há inquérito apurando a cobrança de consumação mínima disfarçada, nem denúncias sobre o assunto.