Título: ISLÂMICOS ATACAM DISCURSO DE PAPA
Autor:
Fonte: O Globo, 15/09/2006, O Mundo, p. 33

Líderes religiosos vêem em palavras de Bento XVI insinuação de que o Islã é violento

BERLIM e ROMA

OPapa Bento XVI enfrenta a primeira grande crise de seu pontificado. E o motivo da crise foram palavras ditas por ele mesmo. Em discurso feito terça-feira na sua terra natal, o estado alemão da Baviera, o Pontífice fez declarações sobre o Islã que provocaram reações iradas em vários países muçulmanos.

Bento XVI fez referências à jihad, traduzindo o conceito como guerra santa, o que fez líderes islâmicos o acusarem de insinuar que o Islã é uma religião violenta. O Papa chegou a citar um imperador bizantino do século XIV que disse que Maomé, o profeta islâmico, ¿espalhou pela espada a fé que pregava¿.

As reações fizeram com que o Vaticano se apressasse a desfazer o mal-entendido. O porta-voz Federico Lombardi disse que o Papa não teve intenção de ofender o Islã:

¿ O Sumo Pontífice quer cultivar uma atitude de respeito e diálogo em relação às outras religiões e culturas e, evidentemente, também em relação ao Islã. O que o Pontífice sente é uma rejeição clara da motivação religiosa da violência.

Líder exige pedido de desculpas

No discurso feito em Ratisbona, Bento XVI citou um debate entre o imperador bizantino Manuel II Paleólogo (1350-1425) e um ¿persa culto¿. Segundo o Papa, o imperador ¿tocou no assunto da jihad, da guerra santa¿. O Papa mencionou uma frase dita pelo imperador:

¿ Ele (o imperador) disse: ¿Mostre-me o que Maomé trouxe que era novidade, e você encontrará coisas apenas más e desumanas, como a sua ordem para espalhar pela espada a fé que ele pregava.¿

O Papa prosseguiu.

¿ Não agir de acordo com a razão é contrário à natureza de Deus ¿ disse Bento XVI, citando a interpretação do teólogo alemão Theodore Khoury para o diálogo. ¿ Para o imperador, sendo um bizantino moldado pela filosofia grega, esta declaração é auto-evidente. Mas para o ensino muçulmano, Deus é absolutamente transcendente.

Líderes islâmicos de diversos países, e variando entre moderados e radicais, consideraram as palavras do Papa insinuações de que o Islã é violento e irracional.

Mohamed Akef, chefe da Irmandade Muçulmana, exortou os países de maioria islâmica a ameaçarem cortar relações com o Vaticano caso o Papa não peça desculpas.

¿O que o Papa disse provocou raiva em todo o mundo islâmico e fortaleceu o argumento daqueles que dizem que o Ocidente é hostil a tudo o que é islâmico¿, disse Akef, em nota da Irmandade Muçulmana.

Mais moderado, mas igualmente irritado, Jurshid Ahmed, diretor do Instituto de Estudos Políticos do Paquistão, disse que ¿é lamentável que uma autoridade religiosa desta hierarquia faça afirmações que possam alimentar desacordos religiosos¿. Ele comparou os pontificados de Bento XVI e João Paulo II:

¿ A atitude do Papa é muito diferente da de seu antecessor. Em vez de aproximar o Islã e o cristianismo, cria tensão em suas relações.

A polêmica pode até mesmo provocar uma alteração da agenda de viagens do Papa, que vai à Turquia em novembro. O chefe do Diretorado de Assuntos Religiosos do governo turco, o clérigo Ali Bardakoglu, disse ontem que a visita de ¿uma pessoa que tem tais idéias sobre o profeta do Islã¿ ao mundo islâmico ¿não faria bem algum¿.

O deputado marroquino Abdelilah Benkirane disse que as declarações ¿ofenderam um bilhão de muçulmanos¿:

¿ Temo que seja um alinhamento às doutrina sionista de George W. Bush. A jihad é um conceito muçulmano, terrorismo é outra coisa.

Na tradição muçulmana, jihad é uma luta, ou um esforço, na busca do sagrado. Portanto, grupos radicais islâmicos podem interpretar o conceito como uma convocação à guerra contra infiéis, mas fatos como a peregrinação à Meca, decorar o Alcorão ou mesmo um esforço contra tentações também podem ser considerados jihad.

COLABOROU Graça Magalhães-Ruether, de Berlim