Título: AIEA: RELATÓRIO AMERICANO SOBRE IRÃ É ENGANOSO
Autor:
Fonte: O Globo, 15/09/2006, O Mundo, p. 34

Agência da ONU diz que informe da Câmara tem trechos `insultantes¿ e sugere estágio nuclear mais avançado

VIENA. Inspetores da agência de energia atômica da ONU apresentaram um protesto ontem ao governo dos Estados Unidos e a uma comissão do Congresso, criticando um relatório sobre o programa nuclear iraniano. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) afirma que trechos do informe são ¿insultantes e desonestos¿.

O episódio relembra os atritos entre a agência e o governo Bush em 2003 ¿ quando Washington afirmava ter informações dos seus serviços de inteligência sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, indo contra as afirmações da AIEA. As armas proibidas nunca foram encontradas.

A carta enviada pela AIEA ao presidente da Comissão dos Serviços de Informação da Câmara de Representantes, Peter Hoekstra, afirma que o relatório, apresentado no dia 23 de agosto, em Washington, contém graves distorções sobre as descobertas da agência.

Câmara admite erro em foto de usina iraniana

Os erros sugerem que o programa nuclear iraniano está num estágio mais avançado do que a agência constatou, diz a carta. O relatório descreve erroneamente que o Irã teria enriquecido urânio a um nível militar, passível de ser usado em armas, em sua usina de Natanz (centro do país), embora os inspetores da ONU tenham deixado claro que o enriquecimento se restringiu a um nível inferior, compatível com o uso como combustível de reator nuclear.

¿Além disso, o secretariado da AIEA protesta fortemente contra a afirmação incorreta e enganosa de que o diretor-geral teria decidido transferir (Chris) Charlier¿, conceituado inspetor da agência, por não aderir a uma suposta política da AIEA que proíbe ¿funcionários de contar toda a verdade¿ sobre o Irã.

A carta, assinada pelo diretor de Relações Exteriores da AIEA, Vilmos Cserveny, qualifica a acusação no relatório do Congresso de ¿insultante e desonesta¿ e assegura que o Irã tem o direito, segundo acordos firmados, de recusar qualquer inspetor. Segundo diplomatas, Charlier continua na agência.

¿ Nós nos sentimos obrigados a colocar o relatório diante dos fatos. É uma questão de integridade da AIEA ¿ disse a porta-voz Melissa Fleming.

O porta-voz da Câmara, Jamal Ware, admitiu que a legenda de uma foto da usina de Natanz diz de forma incorreta que o Irã produz material em grau militar, mas descartou erros, destacando que a informação não faz parte do corpo do texto.

¿ Não há nada substancioso. Eles reclamam de uma foto, e os outros pontos são questões nas quais aparentemente discordamos ¿ disse Ware. ¿ Não há erros no relatório.

Em sua tentativa de pressionar o Irã com sanções, Washington vê o diretor-geral da AIEA, Mohamed El Baradei, como demasiadamente suave com o Irã, revelaram diplomatas.

¿ Este relatório é um déjà vu do período pré-guerra do Iraque, quando fatos foram distorcidos e tentativas foram feitas para arruinar a integridade dos inspetores ¿ disse um diplomata ocidental.

Ontem, o presidente Mahmoud Ahmadinejad disse que o Irã está aberto ao diálogo e a ¿novas condições¿. Mas perguntado se o país suspenderia o enriquecimento de urânio, ele respondeu com um sorriso que não havia razão para sanções:

¿ Seria preferível às autoridades americanas não falar com raiva.

Em Washington, um membro da oposição iraniana, Alireza Jafarzadeh, disse que Teerã retomou um programa para enriquecer urânio usando laser, citando informações da resistência.