Título: CRISE NO CAMPO FAZ CRESCER O TRABALHO INFANTIL
Autor: Cássia Almeida, Luciana Rodrigues e Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 16/09/2006, Economia, p. 29

Segundo o IBGE, o aumento de crianças no mercado foi de 10% em 2005, o que não ocorria desde 1992

RIO e PORTO ALEGRE. Uma pesquisa que trouxe boas notícias para os trabalhadores brasileiros também constatou o aumento de 10,3% no trabalho infantil entre 5 a 14 anos, algo que não acontecia desde 1992, empurrando antecipadamente para o trabalho 5,4 milhões de crianças e jovens de 5 a 17 anos (entre 15 e 17 anos, houve queda no número de ocupados). Há 300 mil crianças entre 5 e 9 anos trabalhando. Segundo avaliação do IBGE, a crise na atividade agrícola provocou esse aumento:

¿ O trabalho para o próprio consumo foi o único que cresceu na atividade agrícola, onde estão 70% das crianças trabalhadoras. Assim, esse fenômeno pode estar por trás dessa alta ¿ explica Marcia Quintslr, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE.

E a expansão na categoria citada por Marcia, o trabalho para o próprio consumo, foi expressiva: 15%. Para Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), este é o pior tipo de inserção possível no mercado de trabalho:

¿ São pessoas que vivem à margem da economia capitalista e não conseguem nem comercializar o que produzem. Plantam para comer. A queda do dólar afetou em cheio a agricultura familiar, e essa taxa de câmbio também tem outro nome: juros altos.

Para Força Sindical, governo falha ao combater problema

Os lavradores que não conseguiram se inserir na produção para o mercado acabaram arrastando para o trabalho as crianças da família. O Rio Grande do Sul foi um dos estados mais afetados pela crise no campo, porque a estiagem levou a uma quebra de safra de mais de 70% na soja e no milho. Mesmo assim, o secretário-geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Elton Weber, afirma que as crianças não foram afetadas:

¿ Percorro todo o estado e não tenho notícia, em qualquer município, de que uma criança tenha deixado a escola para se dedicar à atividade agrícola. É normal que os filhos de agricultores ajudem em algumas tarefas na propriedade, mas sempre depois de irem à escola e fazerem as tarefas escolares. Isso pode envolver meia hora, no máximo uma hora. E filho de agricultor tem mesmo que acompanhar o trabalho, para ir aprendendo.

O IBGE considera essas atividades mencionadas por Weber como trabalho infantil. E os números da Pnad mostram que houve aumento na escolarização entre as crianças.

Na atividade agrícola ou não, as crianças estão no trabalho. Nas cidades, é fácil encontrá-las nos sinais de trânsito. X. tem apenas 14 anos, mas trabalha desde os dez. O menino, que mora no bairro Parque Vila Nova, em Duque de Caxias, estuda durante as manhãs no Ciep Lírio do Laguna, no mesmo município da Baixada, e por volta das 14h começa o trabalho no sinal de trânsito da Zona Norte do Rio. Ele conta que trabalha para ajudar nas despesas de casa e que só vai embora para casa quando consegue ganhar pelo menos R$20.

¿ Eu trabalho aqui para ajudar a minha mãe, que precisa muito. Mas com o dinheiro eu também compro as minhas coisas, afinal, a vida não é só trabalho ¿ diz.

Segundo o menino, às sextas-feiras e aos sábados, o volume de trabalho aumenta e ele consegue ganhar aproximadamente R$50 por dia.

¿ Eu não quero parar de trabalhar, não. Como vou ganhar dinheiro? Mas eu quero mudar de trabalho, não quero ficar aqui na pista pra sempre não. Tem motorista que maltrata muito a gente ¿ reclama.

Para a Força Sindical, o governo falha no combate ao trabalho infantil. O avanço, segundo a central, mostra que não bastam as medidas que foram adotadas até agora. Para os sindicalistas, ¿é necessário mudar a política econômica, criando mais empregos para os adultos, e ampliar os programas sociais para beneficiar mais famílias de trabalhadores, especialmente os da área rural, além de formular políticas para os jovens trabalhadores¿.