Título: Um prato cheio para radicais¿
Autor: Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 16/09/2006, O Mundo, p. 39

RABAT. Professor de Ciências Políticas, o marroquino Mohammed Darif reconhece que Bento XVI não quis ofender os muçulmanos. Mas disse que o Papa deveria saber que as palavras teriam um peso importante no atual contexto internacional.

Para os muçulmanos, as declarações do Papa foram chocantes?

MOHAMMED DARIF: O Papa não criticou os muçulmanos. No meio de uma palestra, ele citou um imperador bizantino que, na época das Cruzadas, vinculou o Islã à violência. Mas a escolha da frase foi infeliz. Como líder da Igreja Católica, tudo o que disser tem conotação política. Suas palavras serão interpretadas no contexto atual, que é delicado.

Como está sendo utilizado este incidente?

DARIF: Para os muçulmanos existe a percepção de que o mundo está contra eles. Primeiro, os conservadores e a direita cristã dos EUA falam no ¿choque de civilizações¿. Um jornal publica charges de Maomé. E agora o Papa cita uma frase vinculando o Islã à violência. É um prato cheio para os islamistas radicais. Para eles, é a prova de que a invasão do Iraque, o conflito no Líbano e pressões contra o programa nuclear iraniano fazem parte de uma campanha para destruir o Islã.

Quais são as consequências políticas na região?

DARIF: Os governos de países muçulmanos, mesmo os mais moderados, se verão na obrigação de criticar o Papa. Caso contrário, ficarão a reboque dos grupos radicais.

E esta situação de confronto terá fim?

DARIF: A situação é muito mais complexa. O conflito no Oriente Médio continua vinculado à questão palestina. Mas é apenas uma parte de um conflito multidimensional. Existe um conflito entre EUA e Israel, de um lado, e os países árabes. Existe também um conflito entre muçulmanos xiitas e sunitas no Iraque; entre cristãos, sunitas e xiitas no Líbano. Diferenças entre muçulmanos no Egito, na Argélia. Se todos estivessem prontos a negociar uma solução seria fácil. Mas ninguém está. Por isso, qualquer faísca gera um incêndio.