Título: Distensão ou recrudescimento?
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O Globo, p. 2

Uma campanha como a que está em curso tem elementos para gerar um ambiente pós-eleitoral altamente envenenado, principalmente se Lula for reeleito em primeiro turno. Entre eles, a mistura entre oposição ressentida e opinião pública frustrada. Mas há também um elemento a favor da distensão, o senso prático dos ganhadores nos estados.

Desnecessário dizer que, na hipótese hoje mais remota da derrota de Lula, um PT enxotado, castigado por seus pecados, talvez voltasse às barricadas. Não teria aprendido nada. É também possível, mas não provável, que o PSDB, saindo perdedor, atenda ao toque de reunir do ex-presidente Fernando Henrique em sua carta de 7 de setembro. Nela, além de atacar vigorosamente Lula, recomendou aos tucanos postura combativa nos próximos quatro anos, um lapso derrotista que repercutiu negativamente na campanha de Alckmin. O PFL, através do senador Bornhausen, já havia feito conclamação semelhante.

É possível, mas é mais provável que a linha do PSDB seja dada pelos tucanos vencedores, não pelos derrotados. Ainda que Alckmin queira ser um líder dos falcões, derrotado terá perdido as condições para liderar seu partido. Seu visível alinhamento com Aécio é garantia de um passaporte para a nova situação. No PSDB, devem ter vez e voz os ganhadores em 2007, que devem ser Aécio Neves (MG) e José Serra (SP). Ainda que os dois estejam destinados a travar uma batalha sem chances de acordo pela sucessão de 2010, nos primeiros tempos estarão empenhados em garantir a viabilidade de seus governos. O confronto já a partir da posse não condiz com a inteligência nem com os interesses de ambos.

Lula parece contar com esse senso prático para descarregar o ambiente. Se reeleito, buscará o entendimento entre os partidos pela reforma política e pela reforma orçamentária de que vem falando o ministro Tarso Genro. Acenará também à sociedade civil, e não só ao mundinho dos partidos, incluindo em seu ministério nomes respeitáveis sem filiação partidária. Quer superar a equação do governo bem avaliado porém malvisto pela classe média. Na entrevista ao programa ¿Fatos e versões¿, da Globonews, neste fim de semana, defendeu o cessar-fogo sugerindo um acordo para que todos ¿ o presidente, o Congresso e os governadores ¿ dediquem três anos a seus afazeres e apenas o último à disputa político-eleitoral. É óbvio que eles todos começam a pensar na próxima eleição já no dia da posse, mas a fórmula embute a proposta: se todos baixarem as armas no início, num ambiente político melhor todos podem sair lucrando. Depois vai-se à disputa. Ele pode pensar no acordão para 2010, uma sucessão com Aécio Neves no PMDB. Mas, para ser um grande eleitor em 2010, terá que governar bem, e para isso terá que pôr fim ao bangue-bangue.

Aécio tem se pronunciado nesta linha: ¿Precisamos sair desta política de acusações de lado a lado, de declarações oportunistas. Precisamos voltar à política de construção nacional, de um projeto de país¿.

Vê-se por aí que, embora haja ingredientes para o recrudescimento, há bom espaço para a distensão.