Título: DE JANEIRO A JULHO, DESPESA SUBIU 9,2% ACIMA DA INFLAÇÃO E RECEITA, SÓ 6,2%
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 4

Maioria dos aumentos de gastos saiu por MPs, das quais Lula é recordista

Luiz Inácio Lula da Silva já é, disparado, o presidente da República recordista em medidas provisórias (MPs). Editou até agora 219 desses diplomas legais que têm força de lei imediata, bem mais do que os seus quatro antecessores. Com apenas dez MPs, Lula atingiu diretamente pelo menos 33,6 milhões de pessoas este ano, mais da metade dos seus 60 milhões de potenciais eleitores ¿ segundo a última pesquisa do Ibope, ele tem 50% das intenções de voto.

O padrão de gastos do governo Lula obedece ao calendário eleitoral, como nas gestões anteriores, mas num ritmo mais acelerado do que o de 2002. A disparada das despesas preocupa os especialistas em contas públicas como Raul Velloso, até porque a receita líquida do governo não cresce na mesma proporção.

De janeiro a julho de 2006, enquanto a receita líquida (menos transferências para estados e municípios) aumentou 6,2% acima da inflação, a despesa subiu 9,2%, ou seja, 50% mais. Assim, o superávit primário do Tesouro Nacional acumulado em sete meses caiu R$1,6 bilhão em relação ao mesmo período de 2005.

¿ O superávit menor não se explica por uma queda na arrecadação, mas pela explosão dos gastos primários ¿ analisa a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Margarida Gutierrez.

Impacto nos gastos dos anos seguintes preocupa

Além de impactar as contas públicas este ano, a maioria das medidas editadas em 2006 terá reflexos nos anos seguintes. Dez MPs editadas em 2006 representam gasto adicional de R$16,9 bilhões este ano e de R$7,8 bilhões a partir de 2007.

¿ Os ajustes que terão de ser feitos a partir do ano que vem serão mais difíceis, pois os aumentos foram concentrados nos gastos correntes, no reajuste do salário mínimo e dos funcionários públicos ¿ avalia Velloso.

De maneira geral, de janeiro a julho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, todos os itens de gasto cresceram mais do que os mesmo período de 2002, sobre 2001. A despesa com pessoal aumentou 6,3% acima da inflação sobre igual período do ano passado. Nos primeiros sete meses de 2002, subiu 4,7% reais comparada a igual período do ano anterior.

Boa parte das medidas foi destinada a criar cargos e reajustar salários. De acordo com o Ministério do Planejamento, 1,6 milhão de servidores tiveram aumentos em seus rendimentos, com impacto de R$5,6 bilhões no Orçamento deste ano.

Segundo Velloso, subiu para cerca de 54 mil o número de postos criados neste governo. Isso representa 12,5% do efetivo do Poder Executivo em 2002, último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Quanto aos reajustes, devem representar 10,6% de crescimento este ano, acima da inflação, no gasto do Poder Executivo.

As despesas de custeio e capital avançaram ainda mais do que as de pessoal. De janeiro a julho, tiveram expansão de 13% sobre igual período de 2005, enquanto em 2002 elas subiram 9% em relação aos primeiros sete meses de 2001.

Entre os itens de custeio, as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) tiveram alta de 27% no mesmo período deste ano sobre o do ano passado, enquanto que em 2002 a alta foi de 13,1%. São gastos relacionados ao seguro-desemprego, afetados pelo aumento d salário mínimo.

Desafio será ter apoio para fazer reformas

Os subsídios e subvenções cresceram mais ainda, 29%, frente a uma queda de 73,3% em 2002 sobre 2001. Os subsídios São basicamente diferenciais de juros entre a taxa Selic e o que é cobrado de mutuários de empréstimos patrocinados pelo governo. As subvenções incluem compras de produtos agrícolas. Outros itens, incluindo investimento, avançaram 9,5%, enquanto em 2002 ocorreu o inverso: atingiram 23,6%.

¿ É o tônus de ser governo, poder usar a caneta. Mas o importante é saber se esse padrão frouxo de gasto é só no ano da eleição ou se vai se repetir nos próximos ¿ afirma o cientista político Rogério Schmitt, que aposta num 2007 marcado por forte contenção de gastos, como em 2003.

Com um nível de despesas elevado em 2007, o desafio será conseguir aprovar as grandes reformas, como a previdenciária e a administrativa, acrescenta o economista Guilherme Loureiro, da Tendências Consultoria.

¿ O presidente terá que conseguir apoios para fazer as medidas dolorosas que garantam a governabilidade. Ou vai ter que cortar gastos correntes ou aumentar a carga tributária ¿ complementa Velloso.

Segundo Velloso, como a inflação agora é mais baixa, será mais difícil segurar salários como em 2003, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado ficou em 9,3%. Para 2007, os mercados estão esperando uma inflação em torno de 4,5%.