Título: CANDIDATOS IGNORAM OS ASSUNTOS INCÔMODOS
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 8

Meio ambiente, direitos humanos, agricultura e política externa não são abordados na eleição presidencial

BRASÍLIA. A campanha eleitoral está entrando em sua fase final e os principais candidatos à Presidência da República ignoraram uma série de temas que são fundamentais para a população e para o futuro do país. Os candidatos simplesmente evitaram tratar de assuntos delicados ou controversos como a política externa, o meio ambiente, direitos humanos e a agricultura. Noutras questões, como das reformas da Previdência e tributária, os principais candidatos deram um passo atrás ou ficaram presos a slogans simpáticos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o principal candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB), declararam publicamente que se forem eleitos não darão continuidade à reforma da Previdência, iniciada ainda no governo Fernando Henrique e complementada parcialmente no primeiro mandato do governo Lula. E a reforma não entrou no debate eleitoral.

Lula e Alckmin são farinha do mesmo saco, diz economista

Os dois candidatos dizem também que um de seus objetivos para os próximos quatro anos é reduzir a carga tributária, mas nenhum deles apresentou até agora uma proposta clara, com um cronograma e metas, mostrando como pretendem cumprir a promessa.

¿ Os candidatos tendem a fugir dos temas polêmicos. O Lula e o Alckmin dizem que o crescimento será a prioridade de seus governos. Mas não assumem compromissos claros de redução da carga tributária, de aumento dos investimentos públicos e de instituir marcos regulatórios que estimulem os investimentos privados. Lula e o Alckmin são farinha do mesmo saco ¿ diz o economista Raul Veloso, especialista em contas públicas.

Meio ambiente e direitos humanos fora do debate

Faltam 14 dias para as eleições e o presidente Lula foi o único candidato que apresentou uma proposta sistematizada de governo. Mesmo assim, está redimensionando suas propostas setoriais e o que apresentou foi mais um plano de continuidade do atual governo. O cientista político Paulo Kramer considera que o debate eleitoral está muito raso e que a discussão foi reduzida a um embate entre a ética, as políticas sociais e a criação de empregos.

Neste contexto, temas importantes e complexos como o meio ambiente e os direitos humanos são colocados num plano secundário, inclusive porque não há cobrança da opinião pública.

¿ Os dois candidatos, o Lula e o Alckmin, estão discutindo o passado e não o futuro. De um lado, os escândalos, e de outro, o aumento da renda, do emprego e a redução do preço da cesta básica. O presidente Lula defende aquilo que acha importante para reeleger-se e não vejo propostas alternativas ¿ afirma Paulo Kramer.

A coordenadora geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Rosiana Queiroz, considera que os candidatos evitam o assunto por tratar-se de um tema delicado, ainda mais num momento em que a população cobra mais rigor diante das rebeliões nas penitenciárias. Neste contexto, explica Rosiana, os direitos humanos acabam, involuntariamente, para o imaginário popular, sendo interpretados como a defesa de direitos para os que cometeram crimes. Mas ela diz que os prejuízos para a imagem do país no exterior e para o pleno exercício da cidadania são imensuráveis.

¿ Em função do problema da segurança pública, a população e as instituições públicas são tolerantes com os abusos e as práticas violentas que persistem na sociedade brasileira ¿ afirma Rosiana Queiroz.

A omissão é a regra quando se trata do meio ambiente. Várias organizações do setor estão encontrando muitas dificuldades para promover um encontro com os candidatos a presidente da República. Um dos dirigentes do Instituto Sócio-Ambiental, Márcio Santili, presidente da Funai no governo Fernando Henrique, afirma que os candidatos adotaram a retórica do desenvolvimentismo, pois consideram que isso dá mais voto. Desta forma, acabam sinalizando para os agentes econômicos que terão uma postura frouxa sobre o que farão na área do meio ambiente.

¿ Os candidatos sequer usam a palavra sustentável e, quando a usam, é no sentido econômico e não ambiental. Os candidatos só falam em produzir e vender ¿ reclama Márcio Santili.

¿ Ninguém gosta de tratar do tema do meio ambiente na campanha. Ele tem um viés contrário ao desenvolvimento econômico ¿ explica o publicitário Fernando Barros, da agência Propeg.

Quando a campanha eleitoral começou, em julho, havia um levante no setor agrícola. Acreditava-se que este seria um dos temas quentes da campanha eleitoral. Sobretudo levando-se em conta que o pior desempenho do presidente Lula nas pesquisas de popularidade e de intenção de voto se dá justamente nos estados do Sul e do Centro-Oeste, regiões com forte vocação agrícola.

Agricultura exige compromisso com setor

Mais uma vez o debate não ocorreu entre os presidenciáveis e nem mesmo a oposição tentou faturar. O presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Fábio Meireles, não ficou surpreso com a forma como os candidatos fogem de enfrentar os problemas da agropecuária.

¿ Se os candidatos fizessem um debate sério sobre o setor agropecuário teriam que assumir compromissos com o setor produtivo. Eles teriam que garantir orçamento para financiar o setor e políticas tributárias e fiscais ¿ afirma Fábio Meireles.

Como o tema da produção primária não é tratado com a ênfase que deveria, o empresário considera que o país pagará o preço do desemprego no setor, de novas migrações da área rural para a urbana e, no limite, enfrentar problemas de abastecimento do mercado interno.