Título: EM ESTADOS POBRES, CAMPANHAS CARAS
Autor: Alan Gripp e Henrique Gomes Batista
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 12

Roraima tem maiores gastos; para especialistas, política clientelista se mantém nos grotões

BRASÍLIA. O dinheiro que faz falta nos bolsões de pobreza do país anda sobrando nas campanhas que buscam votos nessas regiões. Levantamento feito pelo GLOBO nas prestações de contas de candidatos a governador, senador e deputados federal e estadual em todo o Brasil revela que, nos dois primeiros meses da corrida eleitoral, os estados mais pobres tiveram até aqui as campanhas mais caras. Os dados são surpreendentes: em Roraima, por exemplo, esses candidatos já gastaram R$48,4 por eleitor. Lá, o custo por voto é 12 vezes maior do que em São Paulo, o estado mais rico do país (R$4 por eleitor).

Para alguns especialistas, os dados mostram que a política clientelista continua funcionando a todo o vapor nos grotões. Nesses lugares, dizem, o poder econômico das campanhas ainda fala mais alto e será decisivo para o resultado das eleições.

¿ Os números provam que quanto mais rico e mais educado é o eleitor, menos se precisa de dinheiro para que a sua mensagem seja entendida. É um aspecto muito perverso da democracia. Nos grotões, o poder econômico faz diferença, as campanhas ainda são clientelistas ¿ diz o cientista político Murillo de Aragão.

O levantamento é baseado nas arrecadações declaradas por todos os candidatos no último dia 6 aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Até aquele momento, eles haviam recebido R$661,5 milhões em contribuições oficiais de doadores ¿ R$5,25 por cada eleitor brasileiro.

¿Gasta-se mais dinheiro no subúrbio do que no Leblon¿

Ao cruzar dados das declarações à Justiça Eleitoral com o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de cada estado, conclui-se que, das cinco unidades da federação mais pobres, três tiveram custo acima da média nacional (Piauí, Alagoas e Tocantins). Por outro lado, entre as cinco unidades da federação mais ricas, apenas o Distrito Federal superou essa média. No Rio de Janeiro, cada voto custou R$5,20.

¿ Nas regiões com eleitorado mais esclarecido, o voto ideológico é maior. Se você dividir as cidades em distritos, vai ver que se gasta mais dinheiro no subúrbio do que no Leblon. Assim, se um candidato a presidente vai ao Rio, ele faz um evento na Rocinha, e não em Ipanema. Se o candidato gasta muito em Ipanema, isso pode ter até efeito contrário, as pessoas vão desconfiar ¿ afirma Aragão.

Em Roraima, que lidera com folga o ranking dos gastos de campanha, o valor alto é puxado pelas campanhas proporcionais. Lá, os candidatos a senador e a deputados federal e estadual já gastaram R$38,7 por eleitor. Na Região Norte, aliás, apenas o Pará tem uma campanha com custo abaixo da média nacional (R$3,1 por eleitor). Já Amapá (R$24,4), Rondônia (R$13,1), Tocantins (R$12,8), Acre (R$12,5) e Amazonas (R$8,2) figuram no topo da lista dos maiores gastos declarados.

No Centro-Oeste, os três estados e o Distrito Federal também gastaram acima da média nacional. Em Mato Grosso do Sul, cada eleitor valeu R$14,1 nos primeiros dois meses de campanha. Em Mato Grosso, R$8,4; e em Goiás, R$7,6.

Além do clientelismo, há outras explicações possíveis para tamanha discrepância. Para analistas, os números podem indicar que as novas regras eleitorais ¿ que restringiram os gastos eleitorais ao proibir showmícios, outdoors e a distribuição de brindes ¿ estão sendo cumpridas nos principais centros urbanos, onde a fiscalização da Justiça Eleitoral é mais estruturada e a imprensa é mais vigilante.

¿ Nos estados onde há o controle coronelista da mídia, a fiscalização sempre é mais complicada ¿ diz a cientista política Lúcia Hippólito.

¿ É preciso abrir os gastos para entender melhor os números, mas talvez as medidas do TSE tenham chegado com mais força nos centros mais modernos ¿ afirma Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).