Título: O corporativismo é mais forte¿
Autor: Bernardo Mello Franco
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O País, p. 19
Autora do livro ¿Política e religião¿, a socióloga Maria das Dores Machado diz que as igrejas evangélicas incentivam o assistencialismo e hoje ocupam o papel exercido nos anos 80 pelos sindicatos.
O que os evangélicos trouxeram de novo ao cenário político?
MARIA DAS DORES MACHADO: Embora a Igreja Católica sempre tenha apoiado candidatos, os evangélicos começaram a usar de forma explícita a religião como atributo eleitoral e o templo como local de campanha. Enquanto sindicatos e movimentos sociais perdiam força, as igrejas pentecostais se transformaram em referência para o debate político. Os templos reúnem milhares de pessoas num domingo para orar e pedir votos.
No Congresso, a bancada evangélica vai do PFL ao PT. O que une esses políticos?
MACHADO: O corporativismo religioso é mais forte que a união em temas morais. Poucos parlamentares seguem programas partidários, e a troca de siglas é constante durante mandatos. A opinião pública critica os evangélicos, mas não questiona o pragmatismo dos partidos, que permitem a filiação de políticos sem compromisso ideológico. Em geral, o que vale é o interesse do grupo religioso. Em 2002, a Igreja Universal elegeu sete deputados estaduais no Rio por legendas diferentes. Os bispos perceberam que a divisão é a melhor forma de conquistar mais vagas.
Isso não vai de encontro ao projeto do PRB, que foi criado pela Igreja Universal para reunir seus parlamentares?
MACHADO: Na verdade, eles não sabem bem no que implica a criação de um partido. O PRB não é só um projeto da Universal, tem papel importante na reeleição de Lula, e a igreja mantém bispos em outras siglas. Por que apostar tudo num partido novo que pode não ultrapassar a cláusula de barreira?
Qual é o perfil dos integrantes da bancada?
MACHADO: Em geral, têm nível de instrução baixo e pouca participação nos debates. As igrejas incentivam o assistencialismo e eles vêem a política como uma relação de troca, em que o Estado é o provedor. Os deputados chegam a Brasília pensando que são vereadores. Não conhecem o papel de um deputado federal.
Na campanha de 1989, Lula era chamado de demônio nos templos da Universal. Como explicar essa aproximação?
MACHADO: Antes da eleição de 2002, o PT percebeu que precisava crescer entre os evangélicos, e a Universal estava insatisfeita com investigações da Polícia Federal no governo FH. Uma das primeiras visitas de Miro Teixeira como ministro das Telecomunicações foi ao bispo Edir Macedo, na sede da TV Record.
Desde 1999, o Rio é governado por políticos evangélicos: Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha Garotinho. Por que esse grupo é tão forte no estado?
MACHADO: O Rio é a capital menos católica do Brasil e, nas últimas décadas, o arcebispado combateu os progressistas que tinham trabalho na periferia. Isso dificultou a possibilidade de mobilizar os pobres.