Título: O FRACASSO DA EMANCIPAÇÃO
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 17/09/2006, Rio, p. 24
Estudo mostra que 16 dos 21 municípios criados na década de 90 perderam riqueza
Aindependência política não foi sinônimo de desenvolvimento econômico para a maioria dos municípios do estado emancipados após a Constituição de 1988. Estudo feito pela Fundação Cide (Centro de Informações e Dados do Estado do Rio) revela que 16 desses municípios tiveram o Produto Interno Bruto (PIB) per capita ¿ riqueza dividida pelo número de habitantes ¿ reduzido, ao se comparar 1997 e 2004. Dos cinco municípios que ficaram mais ricos, só Porto Real alcançou um PIB per capita superior ao da média do estado. Mesquita, o caçula, nasceu em 2001, o que dificulta a avaliação.
¿ Muitos dos novos municípios precisam rediscutir, com seus líderes, internamente, e com os poderes do estado e da União, as saídas para a estagnação. Essas prefeituras têm de repensar o seu futuro ¿ comenta Ranulfo Vidigal, presidente da Cide.
Os gastos dos municípios recém-criados com as suas câmaras de vereadores são salgados. A despesa do Legislativo de 14 deles, em relação à sua população, superou o gasto médio de todas as câmaras de vereadores do estado, no ano passado, segundo a Cide. Em Carapebus, o gasto foi de R$147,47 por morador, quatro vezes a média do estado (R$36,07/per capita) e três vezes a do Legislativo da capital (R$48,66/per capita). A Câmara de Carapebus tem nove vereadores (cada um pode contratar seis pessoas) e 13 servidores. Realiza sessões duas vezes por semana.
Dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostram que a Câmara de Carapebus gastou ano passado R$1,4 milhão (R$156 mil por vereador). Dos novos municípios, Belford Roxo teve a maior despesa, em números absolutos, com o Legislativo (R$5,8 milhões ou R$322 mil por vereador). Mas foi São Francisco de Itabapoana ¿ um município pobre e com baixo índice de escolaridade ¿ que teve o maior aumento de gastos com sua Câmara: 71,49%, de 2004 para 2005.
`Japeri não cresce¿, reclama morador
Com a Constituição de 1988, os municípios foram reconhecidos como unidades político-administrativas autônomas. As suas receitas de ICMS e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) engordaram. Com isso, houve uma corrida pela emancipação. No estado, foram criados 11 municípios em 1993, dez em 1997 e um em 2001.
Localizado na Região Metropolitana e com 94 mil moradores, Japeri já chegou à adolescência, mas ainda está engatinhando como município. Ano que vem, completa 14 anos de separação de Nova Iguaçu, mas o seu PIB per capita é o mais baixo entre os novos municípios (R$2.521, o que corresponde a 15% da média estadual). No período 1997/2004, o PIB per capita de Japeri despencou 52,56% em termos reais, só perdendo para Tanguá (queda de 52,89%).
¿ Japeri não cresce. O único hospital público está fechado, temos poucos ônibus e nossas indústrias não vão para frente ¿ diz o aposentado Antônio Eustáquio de Oliveira.
Ele nasceu em Japeri e vive no Morro Clube dos Quarenta, com a mulher, Maria Aparecida Oliveira, empregada doméstica no Rio. A casa do casal não tem redes de água e esgoto. E sua rua não é pavimentada, embora constasse como tal na prefeitura de Nova Iguaçu, segundo Antônio.
Mais descontentes estão Hilton da Silva, João Pereira Dias e Ademir da Silva. Os três perderam o emprego que tinham no Rio e são vizinhos: moram numa rua de terra, perto da linha do trem e de um valão.
¿ Quando chove, isso vira um brejo. A prefeitura cobra IPTU e não melhora a rua ¿ reclama Hilton.
Subsecretária de Planejamento de Japeri , Marilda Soares de Góis reconhece a carência do lugar, mas está otimista quanto à implantação de um condomínio para 33 indústrias, criado por decreto. Já a reabertura do hospital (num morro, entre os ex-distritos de Japeri e Engenheiro Pedreira) depende da conclusão de obras.
¿ Aguardamos repasse de verbas federais ¿ explica Marilda.
Seguindo pela Via Dutra, chega-se ao mais próspero município entre os mais jovens. Porto Real, na região do Médio Paraíba, completa dez anos de separação de Resende no ano que vem. Entre 1997 e 2004, o município teve um aumento real de 440,99% do PIB per capita, que alcançou R$177.478 por habitante (1.063,45% maior do que a média estadual).
A inauguração da PSA Peugeot Citroën, em fevereiro de 2001, explica em grande parte o alto PIB per capita de Porto Real. A fábrica emprega 2.350 pessoas diretamente e tem 550 funcionários terceirizados. Em torno dela, surgiu o Tecnopolo ¿ pólo de fornecedores para a Peugeot ¿ que emprega mais 800 trabalhadores. Grandes indústrias, como a Coca-Cola e a Guardian (produtora de vidros), também se instalaram no município.
¿ Dez por cento da mão-de-obra dessas indústrias são de habitantes de Porto Real ¿ diz o prefeito Jorge Serfiotis, que oferece vale-transporte para os que querem estudar (cursos profissionalizantes e superior) em municípios vizinhos.
O grosso da mão-de-obra especializada das indústrias de Porto Real é oriundo de outros municípios. Mas, para atividades que não exigem especialização, são contratados moradores locais. É o caso de Paulo Cesar Soares, Márcio Aurélio Miranda e Simão Silva Santos. Os três trabalham numa empresa terceirizada que presta serviços de limpeza à Peugeot.
¿ Aqui era o caminho da roça. Hoje, você solta o boi na rua e o carro atropela ¿ brinca Márcio, de 43 anos, comparando a Porto Real de quando chegou à cidade, há 23 anos, e a de hoje.
Com 15 mil moradores, Porto Real é um município pequeno. As marcas da melhoria econômica, no entanto, são visíveis. Mais de 70% das vias estão pavimentadas e até um sinal de trânsito com contagem foi colocado na Avenida Dom Pedro II. No loteamento Colinas Porto Real, quase a metade dos 232 lotes postos à venda foram comprados (cada um tem 372 metros quadrados e custa R$18 mil à vista). E há moradores que aproveitam a chegada de pessoas de fora para ganhar dinheiro com aluguéis. Entre eles, Vânia da Conceição Silva:
¿ Aluga-se uma quitinete por R$250, R$300. Quando me mudei, Porto Real não tinha nada. Hoje, minha rua tem asfalto, água encanada, esgoto e uma praça ¿ comemora Vânia, que deixou Miguel Pereira há 18 anos.
Américo Fagundes, dono do Hotel Colonial, único do município, também não tem do que reclamar:
¿ O hotel está sempre cheio, de segunda a sexta-feira.
Mais empregos em Rio das Ostras
Para o próximo ano, Jorge Serfiotis planeja construir um hospital ¿ o lugar conta atualmente com uma unidade mista de atendimento, uma maternidade e um centro de diagnóstico. Ele espera ainda pôr para funcionar, em 2007, a primeira faculdade do município ¿ um campus da faculdade de medicina de Vassouras.
Mas nem sempre o alto PIB resultou na melhoria das condições de vida da população. O repasse de royalties de petróleo colocou Carapebus entre os cinco novos municípios com PIB mais alto. Nascido e criado no lugar, José Vasconcelos Luna Júnior diz que Carapebus não se desenvolveu com a emancipação de Macaé:
¿ Há poucas ruas asfaltadas, não temos hospital público e há poucos empregos.
Dos 11 municípios criados em 1993, só Cardoso Moreira teve redução do número de empregos. Rio das Ostras teve aumento de 13.170%, entre 1994 e 2004. Dos dez municípios nascidos em 1997, o destaque positivo foi Porto Real (565% mais empregos de 1997 a 2004); Tanguá foi o único a ter queda no número de vagas de trabalho.
¿ A geradora de sinais da Embratel fica em Tanguá. A empresa busca seus funcionários, de ônibus, em outros municípios. Estamos negociando com a Embratel para que aproveite a nossa mão-de-obra e passe a fazer sua declaração no município, e não na capital, para que Tanguá receba os tributos pelo que é produzido aqui ¿ afirma o prefeito Carlos Pereira.