Título: LICITAÇÃO DO BB GERA POLÊMICA NA PUBLICIDADE
Autor: Maria Fernanda Delmas e Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 17/09/2006, Economia, p. 37

Banco estabelece preço como fator decisivo e agências abrem mão de parte de seu ganho para levar a conta

A própria licitação do Banco do Brasil (BB) para escolher duas agências de publicidade já seria suficiente para atrair as atenções ¿ já que as empresas vão substituir a DNA, de Marcos Valério, um dos protagonistas do escândalo do mensalão. Mas o processo recém-concluído, que estabeleceu o preço como fator decisivo, lançou uma polêmica extra: agências abriram mão de parte de sua remuneração para ter acesso a um naco da conta publicitária que, este ano, é de R$180 milhões. As vencedoras foram a carioca Artplan e a curitibana Master.

O medo entre agências, agora, é de que a moda pegue. O BB já foi procurado por outras estatais interessadas nos detalhes do edital. Para essas empresas, é um sinal de austeridade no trato do dinheiro público. Alguns publicitários temem que o preço acabe se sobrepondo ao talento.

¿ O mercado está absolutamente revoltado, porque é um tiro no pé ¿ afirma um diretor de uma grande agência. ¿ Creio que os órgãos públicos vão adotar esse procedimento. Mas os anunciantes privados entendem o valor do talento.

No edital, o BB já estabeleceu um percentual mais baixo do que a praxe ¿ um teto de 5%, contra 15% ¿ para pagar às agências por intermediarem a produção de material, como layout e filmagem. As agências ¿ não só as vencedoras, aposta o mercado ¿ foram além e abriram mão desse percentual, no que foi apelidado de custo zero.

Rodolfo Medina, vice-presidente da Artplan, garante que no caso do BB a remuneração é suficiente para cobrir os gastos da agência, que estima ficar com R$50 milhões da verba total:

¿ Vamos investir mais. E a conta é uma conquista também para o mercado do Rio.

O diretor de Marketing e Comunicação do BB, Paulo Caffarelli, explica que, num orçamento de publicidade, 80% são relativos à veiculação de anúncios e 20%, à produção de campanhas. Sobre o valor que o BB gasta na mídia, com a veiculação, a agência fica com 15%. Do que cobrariam sobre a produção de material a ser veiculado é que as vencedoras abriram mão. Elas continuarão sendo remuneradas em 1,5% sobre a produção de material que não vai para a mídia.

¿ Acho que com os 15% de veiculação as agências estão muito bem remuneradas ¿ provoca Caffarelli.

A economia que o banco terá é calculada em cerca de R$2 milhões. Mais importante do que isso é o ganho de imagem, que saiu arranhada do episódio do mensalão. O BB rescindiu o contrato com a DNA, mas teve de enfrentar o Tribunal de Contas da União, que audita os contratos de propaganda.

A licitação para escolher agências, que sempre foi feita pela área de marketing do banco, agora é capitaneada pela diretoria de Logística. Sempre se olhou a capacidade técnica conjugada com preço. Desta vez, 19 agências apresentaram suas criações, e três foram selecionadas ¿ pelo talento e por outros filtros, como patrimônio líquido. Na segunda fase, o fator decisório foi o preço. Como as três tinham o custo zero, teve de haver sorteio.

¿ Acho isso horroroso, mas não posso reclamar do processo, que foi limpo ¿ afirma Yan Von Brewer, presidente da Lowe, a agência que mais teve pontos na fase técnica, mas perdeu no sorteio. ¿ Acho que vai estabelecer um precedente.

O advogado João Luiz Faria Netto, que atende a órgãos como o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp, criado pelo mercado publicitário) e a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) no Rio, não vê irregularidade ou imoralidade, e diz que o edital estava dentro dos padrões. Quando a licitação foi lançada, o Cenp apenas alertou ao BB que a agência considerada mais talentosa poderia não levar a conta.

¿ Resolveram ser mais puros do que Deus e transformaram talento em material. Não sou um clipe ¿ reclama Agnelo Pacheco, dono da agência que leva seu nome.

Segundo ele, a prática do custo zero já era adotada por pequenas agências, montadas por profissionais que deixam as universidades e não encontram espaço no mercado.

¿ Há muito desconhecimento do nosso negócio e, por isso, coisas estranhas (a licitação do BB) acontecem. Se há um problema, está no edital, que coloca o preço como fator determinante. A atuação das agências não tem nada de reprovável no contexto. O contexto é que é reprovável ¿ acredita Adilson Xavier, presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP) e da Giovanni, FCB.

O presidente da Master, Antônio de Freitas, diz que não trabalha de graça:

¿ O edital existe desde o início do ano, ficou sob consulta pública e ninguém questionou.

Os contratos da D+ e da Ogilvy, as duas outras agências do BB, vencem este mês, e serão prorrogados por seis meses, com a cláusula do custo zero, enquanto o banco prepara uma nova licitação ¿ que seguirá os moldes da primeira e promete nova polêmica.