Título: ESTRELA FEMININA E HOMEM-FORTE NA BRIGA PELA FRANÇA
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 17/09/2006, O Mundo, p. 46

Ségolène e Sarkozy são favoritos para a Presidência

Foi dada a largada. A sete meses da eleição que vai escolher o próximo presidente da França, dois candidatos ¿ Nicolas Sarkozy, homem-forte da direita, e Ségolène Royal, estrela da esquerda socialista ¿ dão uma rasteira nos barões da política francesa e passam por cima de todos os outros pretendentes, rumo ao confronto. A última sondagem do jornal ¿Le Figaro¿ não deixa dúvidas: se as eleições fossem hoje, Sarkozy obteria entre 36% e 40% dos votos no primeiro turno, enquanto Ségolène teria 36%.

Socialista derrota até o marido

Ségolène é a grande surpresa destas eleições. Essa mulher bonita, mãe de quatro filhos, que foi alvo de chacota e comentários sexistas dos caciques de seu próprio partido ¿ o Partido Socialista (PS) ¿ passou por cima de todos sozinha e é hoje a única capaz de desafiar Sarkozy, o político de direita mais popular da França. Se ganhar, será a primeira mulher da história da França a chegar ao poder. Nem o UMP, partido de Sarkozy, nem o PS de Ségolene escolheram oficialmente seus candidatos. E a fila dos pretendentes, sobretudo no PS, é enorme. O mandato do presidente Jacques Chirac acaba no dia 16 de maio.

Mas Sarkozy e Ségolene se impuseram como dupla incontornável, só com apoio popular. A menos que haja um grande acidente de percurso, serão eles os grandes protagonistas do duelo nas eleições de maio. Ségolene derruba hoje todos os outros candidatos socialistas ¿ Laurent Fabius, Jacques Lang, Dominique Strauss-Khan ¿ inclusive seu próprio marido, François Hollande, secretário-geral do PS. Na sondagem do ¿Figaro¿, Hollande só conseguiria 20% dos votos no primeiro turno.

Um fenômeno. Essa mulher, que no ano passado começou sozinha, hoje tem um batalhão de fiéis e não consegue mais sair tranquila às ruas. O governo lhe propôs até esquema de segurança. Nem Lionel Jospin, ex-primeiro ministro socialista, que, apesar de uma derrota humilhante nas eleições de 2002, ainda exerce enorme poder no PS, conseguiria chegar tão perto de Sarkozy quanto Ségolène: só 23%, contra 36% para ela.

Os franceses estariam prontos a eleger uma mulher para presidente? O que há de especial nela? Para Leslie Varenne e Philippe Blanchard, autores do livro ¿Ségolène: rainha de um dia ou rainha para sempre?¿, o fenômeno Ségolène, tal como o de Michelle Bachelet, no Chile, ou Angela Merkel, na Alemanha, pode ser resultado de uma sociedade em crise de identidade e falta de ideais. E os homens que governaram e dominam o país representam este fracasso.

¿ O homem tendo fracassado, uma mulher surge como recurso para dar esperança de se recuperar o otimismo e o ideal coletivo. Quando Ségolène Royal diz ¿sou mãe de quatro crianças¿, ela diz: ¿sou como vocês, eu conheço os seus problemas, eu terei as respostas adaptadas¿. Ela passa a idéia de um poder mais próximo e da figura de uma mãe que dá segurança ¿ explicam os autores.

Quando Ségolène foi à Córsega, ilha conhecida por guerras de clãs políticos, disse que não queria falar da violência, só das boas coisas. Um discurso que não convence a todos. Há muitos na França, como o jovem Yoan, instrutor de ginástica, que acham que, embora Ségolène seja boa, o que a França precisa é de um trator como Sarkozy, um macho que bate duro na mesa.

¿ A França precisa de um homem que age como o Le Pen (homem da extrema direita francesa), mas no bom sentido. Que decida e diga: é assim! ¿ diz.

Sarkozy quer se dissociar da elite

Sarkozy, filho de um húngaro e de uma judia francesa, alimenta essa idéia de homem determinado, que chegou onde está na marra. Ministro do Interior, ele tem a fama de ser o policial do país, que não hesitou em chamar de racaille (algo como ralé) jovens franceses filhos de imigrantes das periferias pobres que, no ano passado, incendiaram milhares de carros, jogando o governo francês numa crise. Como muitos políticos em campanha, ele acaba de publicar um livro, ¿Sarkozy, meu testemunho¿, em que ressalta só suas qualidades, claro. Para uma França governada pela elite da École Nationale de Administration (ENA) ¿ de onde saíram os altos funcionários públicos da França ¿ Sarkozy faz questão de frisar que até nisso ele é diferente: ¿Eu não tinha nem relações, nem fortuna, não era funcionário e tinha um nome que, por sua consonância estrangeira, teria convencido mais de um a sumir no anonimato no lugar de se expor à luz¿, escreveu.