Título: REELEIÇÃO E OPORTUNISMO
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 18/09/2006, Opinião, p. 7

Adiscussão sobre a reeleição tem comportado boa dose de oportunismo, para além dos problemas que ela, na verdade, tem suscitado. Um candidato-presidente, como temos observado nesta eleição, tende a confundir os seus dois papéis em benefício próprio, numa evidente posição de vantagem em relação aos demais candidatos. Dizer, como Lula tem dito, que é contra a reeleição, quando dela se aproveita sem nenhuma contenção, mostra, apenas, o seu pouco comprometimento com as suas próprias declarações passadas.

Ocorre, porém, que as oposições, em particular o PSDB, não se encontram numa posição particularmente confortável. O instituto da reeleição foi criado para tornar possível a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique, numa clara mudança das regras do jogo no meio do próprio jogo. Tratava-se de um mero projeto de poder do ex-presidente junto com os seus partidos de sustentação, sem nenhuma preocupação maior com o próprio país e com a estabilidade de suas instituições. Causam, portanto, surpresa as declarações de dirigentes tucanos contra a reeleição, sob o argumento de que ela não deu certo. Ora, uma regra eleitoral deve valer para todos os candidatos e para todos os partidos políticos, e não somente para alguns. Se ela foi válida para o então presidente Fernando Henrique, ela deve ser igualmente válida para o presidente Lula. Há uma boa dose de hipocrisia nesta discussão, que é daninha para o próprio Estado brasileiro, que não pode mudar as regras do jogo, segundo diferentes conveniências partidárias.

Particularmente escandalosa é a discussão tucana sobre a reeleição, tendo como horizonte as eleições de 2010. Em vez de o PSDB se concentrar na eleição de Geraldo Alckmin, o partido aumenta o seu grau de desavença interna, trazendo para a agenda o problema da reeleição enquanto meio de criação de um consenso interno. A questão residiria numa eventual vitória de Alckmin, como se essa inviabilizasse a eleição de José Serra ou Aécio Neves nas próximas eleições. Ora, essa é uma questão interna do partido, que não poderia ser apresentada como um problema que deveria ser equacionado numa eventual reforma política. Se os caciques tucanos não conseguem resolver os seus contenciosos, o problema é deles, e não do Brasil. Bastaria, como homens honrados, comprometerem as suas respectivas palavras, cada um deles, por exemplo, assumindo o compromisso de que não se recandidatariam.

O que, sim, o instituto da reeleição está mostrando é o uso escancarado do poder em proveito daqueles que o detêm. Isto, no entanto, não é um problema apenas do presidente Lula, embora este pareça ter menos pruridos do que o anterior no uso da máquina estatal. O ex-presidente Fernando Henrique também utilizou a máquina governamental em benefício próprio. Ambos confundiram as posições de candidato com a de presidente da República. Ambos se sentiram tão confortáveis que se recusaram ao debate eleitoral, como se a discussão de idéias não fosse relevante para eles.

Impõe-se, então, que se faça a distinção entre o instituto da reeleição e as condições de seu exercício. É ainda cedo para julgar que a reeleição pode ser pura e simplesmente abandonada. Não há, por uma questão de princípio, nenhum problema de que um determinado governante, de qualquer partido, fique no poder durante oito anos, para levar a cabo a realização de um determinado projeto. Cabe aos eleitores decidirem se aceitam ou não esse projeto. O que a experiência tem mostrado é o abuso de presidentes e governadores, que se utilizam de suas respectivas posições para permanecerem no poder, confundindo, precisamente, os seus papéis de candidatos e de governadores e presidentes. Se a regra da desincompatibilização tivesse sido introduzida, sendo válida, por exemplo, para no mínimo seis meses antes das eleições, boa parte da discussão atual já estaria vencida. Maior clareza e honestidade estariam pautando o processo eleitoral, a igualdade de oportunidades dos candidatos estaria vigorando e os abusos estariam sendo mais eficazmente coibidos pela Justiça Eleitoral. Se as regras são claras, a posição do juiz é muito menos tributária de interpretações. Os partidos políticos não parecem, porém, ter essa preocupação.

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.