Título: FMI CORRE RISCO DE SOFRER ESVAZIAMENTO
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 18/09/2006, Economia, p. 18

Brasil, Índia e Argentina discordam de novas quotas do Fundo e cogitam criar G-4

CINGAPURA. O Fundo Monetário Internacional (FMI) corre sério risco de esvaziamento e perda de legitimidade justamente quando busca ganhar maior relevância com o mais ambicioso processo de reforma desde sua fundação, há 60 anos. Às vésperas da votação, hoje às 16h, da resolução que amplia as quotas de quatro países ¿ México, Coréia do Sul, China e Turquia ¿ e dá partida à revisão do poder de voto dos 184 membros da instituição, o Fundo recebeu ontem pesadas críticas de ministros de países emergentes, como Brasil, Índia e Argentina.

O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, declarou-se ¿extremamente desapontado¿ com os termos finais da proposta e brincou dizendo que, entre muitos ministros, corre a piada de que a sigla do Fundo em inglês (IMF), na verdade significa as iniciais de I'm finished (¿Estou acabado¿, também em inglês).

¿ Ficamos frustrados a ponto de termos que votar contra a aprovação da resolução ¿ disse ele. ¿ A recusa da diretoria-executiva do Fundo em incorporar nossas sugestões reforçou a percepção de que o realinhamento da distribuição de quotas poderá terminar por aumentar ainda mais a já ampla maioria detida pelas economias avançadas e elevar a participação de um pequeno grupo de países emergentes em detrimento de outros.

Pela resolução, a proposta da diretoria do FMI vai alterar quotas dos países-membros usando uma fórmula que considera o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas) dos países (com 29% de peso) e sua abertura comercial (50% de peso). Já alguns países emergentes querem como parâmetro o PIB pelo conceito de Paridade do Poder de Compra (PPC) e o nível de vulnerabilidade a crises.

¿ Se o comércio entre os países da União Européia for usado como medida de abertura da região, é certo que a nova fórmula vai resultar em ainda maior representação dos países ricos no processo decisório do Fundo ¿ afirmou a ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli, em seu discurso para ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais reunidos ontem no Comitê Monetário e Financeiro Internacional do FMI.

¿ A nova proposta não reflete a influência maior dos países emergentes no mundo ¿ afirmou o ministro das Finanças da Índia, Palaniappan Chidambaram.

Guido Mantega afirmou que o sentimento de frustração é tão grande que China, Índia, Brasil e África do Sul pretendem criar um G-4 como uma espécie de contraponto ao G-8, grupo dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia.

¿ Somos convidados para comparecer a alguns encontros do G-8, mas não podemos opinar em muitos assuntos que nos dizem respeito, como a crise energética ou o preço do petróleo ¿ disse Mantega. ¿ É como se fôssemos convidados para uma viagem onde todos tomam café da manhã juntos, mas um pequeno grupo almoça junto. Pretendemos criar um grupo que se reunirá com a mesma freqüência do G-8 e discutirá uma agenda própria.

O diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, afirmou que os países possuem o direito de discordar da fórmula ideal para calcular a nova participação no processo decisório da entidade. Mas disse que nenhum país discordou da necessidade de mudança:

¿ É um processo democrático de mudança que terá que ser aprovado por 85% dos países-membros. E, se assim o quiserem, assim será.

Segundo Mantega, Rato não se mostrou satisfeito com a falta de unanimidade dos países e procurou mudar a posição dos descontentes.

¿ Conversamos e não chegamos a um consenso. Ele tem a opinião dele e nós, a nossa. (Gilberto Scofield Jr. , enviado especial)