Título: PAPA NÃO PEDE DESCULPAS
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Fonte: O Globo, 18/09/2006, O Mundo, p. 21

Bento XVI lamenta reação de muçulmanos a seu discurso, mas evita retratar-se

CIDADE DO VATICANO

Apesar de toda a expectativa, o Papa Bento XVI não pediu desculpas ontem aos muçulmanos por seus comentários feitos na última terça-feira e considerados ofensivos ao Islã. Durante as orações dominicais, o Pontífice limitou-se a dizer que ¿lamentava profundamente¿ a reação provocada por seu discurso e que as citações medievais sobre a guerra santa que usou não refletem suas opiniões pessoais. O Ministério do Interior elevou o alerta de segurança em todo o país, diante de algumas ameaças de extremistas.

¿ Lamento profundamente a reação causada por algumas passagens de meu discurso na Universidade de Ratisbona, consideradas ofensivas aos muçulmanos ¿ disse o Papa a fiéis, ao comandar o Angelus de sua residência de verão em Castelgandolfo. ¿ Eu estava citando, na verdade, um texto medieval que, de forma alguma, expressa minha opinião pessoal. Espero com isso apaziguar os corações e esclarecer o verdadeiro significado do meu discurso, que, em sua totalidade, era e é um convite ao diálogo franco e sincero, com respeito mútuo.

O Vaticano lançou uma ofensiva diplomática para apaziguar os ânimos. O secretario de Estado, Tarcisio Bertone, informou que núncios apostólicos em países muçulmanos estão sendo instruídos a explicar a autoridades políticas e religiosas ¿o verdadeiro sentido¿ de suas palavras.

Muitos líderes islâmicos, entretanto, se disseram insatisfeitos com as palavras do Papa e do Vaticano. No Qatar, o presidente da União Mundial dos Clérigos Muçulmanos, Yussef al-Qaradaui, disse que o Papa ¿não se desculpou¿ e pediu que os fiéis transformem a próxima sexta-feira (o dia sagrado do islamismo) num ¿dia de cólera pacífica¿ em protesto, com uma hora a mais de orações nas mesquitas. Já o ministro de Estado da Turquia, Mehmet Aydin, disse que, aparentemente, o Papa lamentava pela reação provocada, mas não pelos comentários em si.

¿ Ou você diz que lamenta de uma forma apropriada, ou não diz nada ¿ criticou o ministro em entrevista. ¿ Ele lamenta por ter dito essas coisas ou suas conseqüências?

O grupo radical palestino Hamas interpretou as palavras do Pontífice de forma semelhante.

¿ Não vemos as declarações atribuídas ao Papa como um pedido de desculpas ¿ afirmou o porta-voz do grupo, Sami Abu Zuhri.

O vice-líder da Irmandade Muçulmana do Egito, Mohammed Habib, inicialmente considerou as palavras do Papa como ¿desculpas suficientes¿. Mais tarde, no entanto, voltou atrás:

¿ Pedimos ao Papa do Vaticano que divulgue um pedido de desculpas claro que ponha um fim definitivo a essa confusão.

Freira é assassinada a tiros na Somália

Na Somália, a freira católica italiana Leonella Sgorbati foi assassinada ontem com três tiros nas costas, juntamente com seu guarda-costas ¿ num ataque que poderia estar relacionado à crise. No Irã, o dia foi marcado por uma manifestação que reuniu cerca de 500 alunos de escolas teológicas na cidade sagrada de Qom. O influente clérigo Ahmad Khatami afirmou que os protestos continuarão até que o Papa peça desculpas por suas palavras. Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, sete igrejas católicas foram atacadas nos últimos dias, algumas delas incendiadas. O premier palestino, Ismail Haniyeh, condenou os ataques, mas criticou o Papa por ¿suas ofensas ao Islã e ao profeta Maomé¿.

Essa é a pior crise enfrentada por Joseph Ratzinger. No discurso feito na Alemanha na última terça-feira, Bento XVI citou o imperador bizantino Manoel II Paleólogo (1350-1425): ¿Mostre-me o que Maomé trouxe que era novidade, e você encontrará apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem para espalhar pela espada a fé que pregava.¿

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