Título: NEM FREUD EXPLICA
Autor: Ricardo Galhardo, Flávio Freire e Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 19/09/2006, O País, p. 3

Assessor de Lula e agente do comitê da campanha da reeleição são suspeitos da compra de dossiê

As três pessoas suspeitas de negociar com o chefe da máfia dos sanguessugas um dossiê com supostas denúncias contra os candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra trabalham no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto ou na campanha do petista à reeleição. Freud Godoy, suspeito de ser o petista que repassou R$1,7 milhão para a compra do dossiê, além de trabalhar como assessor especial do presidente Lula no Planalto, comanda a empresa Caso Sistemas de Segurança Ltda, que presta serviços ao diretório nacional do PT e à campanha de Lula pela reeleição.

O advogado Gedimar Pereira Passos, preso em São Paulo pela Polícia Federal com mais de R$1,7 milhão em dinheiro vivo, também trabalhava na campanha de reeleição de Lula. Segundo o presidente do PT, Ricardo Berzoini, a campanha de Lula tem um ¿núcleo de informação e inteligência¿ chefiado pelo petista catarinense Jorge Lorenzetti, churrasqueiro de Lula nas horas vagas, a quem Gedimar Passos era subordinado. Lorenzetti teria comandado toda a operação e dado ordens a Gedimar para receber e analisar o conteúdo do dossiê. Segundo o petista Valdebran Padilha da Silva, também preso pela PF com o dinheiro, o contato com Gedimar foi feito através de Lorenzetti, identificado no depoimento apenas como Jorge.

Empresa de Freud presta serviço ao PT

Em junho de 2003, pouco depois da posse de Lula, Freud abriu a Caso Sistemas de Segurança, empresa que hoje tem dezenas de funcionários e presta serviços a diretórios do PT, à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, entre outros clientes da órbita petista. A firma, com capital declarado de R$110 mil, está em nome da mulher de Freud, Simone Messeguer Pereira Godoy, e do cunhado, Kleber, pois quando foi aberta Freud já era funcionário público e não podia ter empresas em seu nome.

Na eleição de 2004, por exemplo, a Caso recebeu R$106 mil do comitê financeiro da candidata petista à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Atualmente a Caso é a responsável pela segurança nos eventos da campanha de Lula em São Paulo. Gedimar Passos disse em depoimento à PF que foi contratado pela executiva nacional do PT para negociar com o empresário Luiz Antônio Vedoin, o operador dos sanguessugas, o dossiê oferecido contra os candidatos do PSDB. Passos afirmou que recebeu a ordem de um homem chamado ¿Froud ou Freud¿, que a PF acredita ser Freud Godoy, assessor especial de Lula. Godoy negou envolvimento no episódio, mas confirmou ter se encontrado com Gedimar quatro vezes e pediu afastamento do cargo depois de conversar por telefone, ontem de manhã, com o presidente Lula.

Em Brasília, depois de reunir-se por mais de quatro horas com outros integrantes da executiva do partido, Berzoini admitiu numa entrevista de oito minutos ¿ a primeira desde sábado ¿ que Gedimar Passos trabalha na campanha de Lula.

¿A quem interessa conturbar a eleição?¿

O presidente do PT disse que só no sábado soube que o advogado preso pela PF sob acusação de comprar dossiê da família Vedoin trabalhava para a campanha de Lula. Irritado e constrangido, não conseguiu explicar a participação de petistas e de integrantes do comitê da campanha pela reeleição do presidente no episódio de compra de um dossiê sobre a eventual participação do ex-ministro da Saúde José Serra no escândalo dos sanguessugas.

¿ Não. O PT não tem nenhuma atividade de campanha que envolva recursos financeiros para a compra de informação ¿ disse Berzoini.

O dossiê contra Serra e mais R$1,7 milhão em dinheiro foram apreendidos pela PF quando da prisão do militante do PT no Mato Grosso, Valdebran Padilha da Silva, e do advogado Gedimar Pereira Passos, na sexta-feira. O coordenador da campanha da reeleição explicou que Gedimar não era militante do partido, mas contratado para fazer análise de informação, e disse que ainda não tinha conseguido falar com Lorenzetti, que está subordinado diretamente a ele. Mas Berzoini negou que o PT esteja envolvido na compra do dossiê contra Serra e afirmou que suspeita que o partido esteja sendo vítima de uma armação.

¿ Esse dinheiro não é do PT. Não há qualquer referência, de qualquer pessoa que tenha qualquer responsabilidade financeira (na campanha), sobre a existência desses recursos. Pode ser até uma armação. Nossa campanha está bem posicionada. Não há razão para criar um fato político na reta final da campanha. A quem interessa conturbar o processo eleitoral? ¿ perguntou Berzoini.

O petista referiu-se ao núcleo de informação e inteligência como ¿dispositivo de tratamento de informações¿, encarregado de sistematizar informações publicadas na imprensa e recebida de terceiros. Explicou que esse dispositivo, no entanto, não tinha autonomia para viajar e pagar por informações. Esclareceu que esse dispositivo produzia relatórios com informações sobre a candidatura Lula e a dos adversários, mas que não competia a ela decidir sobre o uso dos dados coletados.

Berzoini acrescentou que o partido ainda não sabia o que tinha acontecido e que estava levantando informações para poder dar um amplo esclarecimento à opinião pública.

¿ O PT vai averiguar para tomar as providências cabíveis, políticas e jurídicas. Mas não houve aquisição de nenhuma informação pela campanha. Nunca recebi este relatório ¿ disse Berzoini.

O presidente do PT afirmou que qualquer pessoa envolvida no episódio, petista ou não, que tenha praticado atos que não respeitem a legalidade e a moralidade vai prestar contas à Justiça e ao partido. Mas fez questão de dizer que o assessor direto do gabinete do presidente da República, Freud Godoy, embora tenha sido citado por Gedimar, não tem relação com o episódio do dossiê. Ele confirmou que Freud colaborou, fora do horário de expediente, na avaliação das condições de segurança do comitê central da campanha da reeleição. O tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, também rejeitou qualquer ligação entre Freud e Gedimar:

¿ A notícia do envolvimento do assessor (do presidente) caiu por terra. Ela não foi confirmada na acareação (ocorrida ontem em São Paulo entre Freud e Gedimar). O PT não tem relação com a compra do dossiê. O PT está tranqüilo e aguarda as investigações da Polícia Federal. Não aceitamos a tese de que esse dinheiro tenha vindo do PT ¿ afirmou Paulo Ferreira.