Título: LIGAÇÃO COM PETISTA VEM DESDE CAMPANHA DE 89
Autor: Ricardo Galhardo, Cristiane Jungblut e Luiza Damé
Fonte: O Globo, 19/09/2006, O País, p. 8

Freud Godoy é hoje bem-sucedido empresário de segurança graças a contratos de serviço para o PT desde a posse

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Integrante do trio de fiéis escudeiros que acompanha Lula desde 1989, nos bons e maus momentos ¿ ao lado de José Carlos Espinoza e Aurélio Pimentel ¿ Freud Godoy é hoje um bem-sucedido empresário do ramo da segurança privada, graças aos contratos de serviço para o PT obtidos após a posse do presidente Lula, em 2003. Ao apontar Freud como responsável por parte do R$1,7 milhão apreendido sexta-feira pela Polícia Federal, o advogado Gedimar Pereira Passos levou a crise da venda de dossiês para dentro do Planalto.

Entre outras atribuições, o assessor especial de Lula se encarregava de buscar nos restaurantes as refeições encomendadas pela família do presidente nos fins de semana que eles passam no apartamento de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

O fato de ser um pequeno empresário emergente não impedia que Freud cumprisse as tarefas triviais que o cargo de secretário pessoal requer. Na prática, Freud era o responsável por administrar a casa e a chácara de Lula em São Bernardo, pagar as contas, resolver problemas domésticos e atender às demandas dos filhos e netos de Lula enquanto o presidente e dona Marisa ficam em Brasília.

As ligações entre Lula e o assessor são antigas e extrapolam o caráter profissional. Freud acabara de passar no concurso para o Metrô de São Paulo e dava os primeiros passos no movimento sindical quando foi convidado para trabalhar na primeira campanha de Lula em 1989. Enquanto Espinoza e Aurélio Pimentel cuidavam da parte logística, Freud era o responsável pela segurança de Lula.

Desde então o trio nunca mais se separou e virou objeto de uma piada folclórica criada pelo jornalista Ricardo Kotscho, assessor de Lula na vitoriosa campanha de 2002.

¿ Espinoza é o pai da filosofia, Freud é o pai da psicanálise e Aurélio é o pai dos burros ¿ brincava Kotscho.

Em conversas informais, Freud reclamava que a proximidade com o presidente só lhe trazia dores de cabeça. Por ter as portas abertas junto a Lula, ele recebia inúmeros pedidos de ajuda, mas afirma que nunca exerceu qualquer tipo de influência.

¿ Costumo dizer que somos amigos do rei. E só ¿ disse um amigo.

Lágrimas em ligação do chefe

A proximidade diária com Lula durante quase duas décadas transformou a relação profissional em amizade e admiração pessoal. Freud, que é filiado ao PT, nunca abandonou o líder do partido nem nos piores momentos, como os que seguiram às três derrotas eleitorais de Lula (1989, 1994 e 1998).

Por isso, segundo amigos Freud foi às lágrimas ontem de manhã, depois de receber um telefonema no qual Lula pedia explicações e falava em quebra de confiança.

¿ Ele ficou preocupadíssimo com a possibilidade de ser considerado o culpado caso Lula perca a eleição ¿ disse um interlocutor.

De acordo com o amigo, Freud não tem autonomia para agir sozinho em um caso de peso como o do dossiê e, se teve alguma participação no episódio, foi cumprindo ordens superiores.

¿ Duvido que ele tenha feito. Mas se fez foi a mando ou a pedido de alguém ¿ disse o amigo.

Hoje Freud mora em uma confortável casa à beira da Avenida dos Estados, em Santo André. Na presidência, ele era subordinado ao chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, que foi secretário municipal de Comunicação da cidade até o assassinato do prefeito Celso Daniel, em 2002.

Em Brasília, Freud Godoy, na função oficial de assessor especial da Secretaria Particular da Presidência até ontem, era uma pessoa da confiança pessoal do presidente Lula da Silva e de toda a família. Ele trabalhava no gabinete da primeira-dama Marisa Letícia, que fica a poucos metros do gabinete de Lula, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Embora discreto, é uma figura constante ao lado de Lula, seja em solenidades no Planalto, em viagens ou em dias de folga do presidente. Freud recebia, no cargo de confiança, um salário de R$6.300.

Integrantes do governo e petistas confirmam que Freud tem uma relação pessoal com Lula e toda sua família e cuidava basicamente das demandas de dona Marisa e dos filhos do casal que mostram em São Bernardo do Campo. Freud trabalhou na segurança pessoal de Lula em todas suas campanhas eleitorais, desde 1989. Ele foi nomeado no dia 12 de março de 2003 e seu ramal, indicado pelo site do Planalto, pertence ao gabinete da primeira dama.

Além de trabalhar no terceiro andar do Planalto, Freud costuma despachar em uma sala no Palácio da Alvorada ¿ destinada a funcionários ¿ sempre que Lula ou dona Marisa estão no local. Já foi visto algumas vezes em solenidades no Planalto ou em eventos fora. Segundo levantamento feito pelo site Contas Abertas, Freud Godoy recebeu R$79 mil da União, referente a diárias, auxílio-moradia e ajuda de custo, entre 2003 e setembro deste ano.

Nas campanhas eleitorais, Freud costumava cuidar da segurança pessoal do presidente, ao lado de José Carlos Espinoza, que virou chefe regional do gabinete presidencial em São Paulo. Dentro do Planalto, Freud é discreto. Quando aparece em cerimônias, sempre fica à distância, junto com outros assessores de Lula.

¿ Ele trabalha há muito tempo com o presidente Lula e é de absoluta confiança. Ele faz uma assessoria especial, de apoio, de segurança ¿ disse o governador do Acre, Jorge Viana.

Segundo integrantes do governo, Freud controla o acesso ao Palácio da Alvorada, sendo informado de entradas e saídas no local. Ele também assessorava diretamente o casal quando Lula e dona Marisa moraram na Granja do Torto, durante a reforma do Alvorada. Sempre discreto, Freud estava presente, por exemplo, quando o Palácio da Alvorada foi mostrado, pela primeira vez, para a imprensa, em abril de 2006, ao final da reforma.

Naquela ocasião, era ele quem orientava os demais assessores sobre quais cômodos poderiam ser visitados. Além dele, Rogério Aurélio Pimentel é assessor dentro da Secretaria Particular. Ele também costuma viajar para São Paulo, quando o presidente vai passar os fins de semana, porque tem família naquele estado.

O cuidado de Freud com a família Lula ficou evidente, por exemplo, em 4 de setembro de 2005. Naquele dia, os filhos de Lula foram assistir ao jogo da seleção brasileira, no Estádio Mané Garrincha, válido para as Eliminatórias da Copa do Mundo. Lula não foi, mas Freud organizou todo o esquema de segurança para proteger dona Marisa e os filhos Sandro Luiz e Luiz Cláudio, que estavam com amigos. Freud acompanhou os filhos de Lula a todo lugar, desde a entrada do estádio até nos camarotes.

Vedoin negociava outros dossiês

Na semana que antecedeu sua volta à prisão, por tentar vender um dossiê ao advogado Gidemar Passos e ao empresário Freud Godoy, o dono da Planam, o Luiz Antonio Vedoin, também tentou vender informações e extorquir outros políticos e empresários que fizeram negócios com ele nos últimos anos. As escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal ¿ e que resultaram na prisão em flagrante dos supostos emissários do PT ¿ revelam que Vedoin guardava outras provas e tentava negociá-las ameaçando entregá-las à Justiça Federal.

O empresário foi monitorado pelos agentes federais por pouco mais de uma semana. Em uma das tentativas de extorsão interceptadas, segundo fontes ligadas à investigação do caso, chegou a ameaçar a mãe de um empresário, dizendo ter provas que supostamente a incriminam: ¿Como vai a sua mãe?¿, perguntou, emendando em seguida: ¿Tem aquele recibo¿.

No despacho em que determinou novamente a prisão de Vedoin, o juiz federal Cesar Augusto Bearsi confirma as ameaças. ¿A interceptação telefônica regularmente decretada gerou entre seus frutos o conhecimento de que Luiz Vedoin está negociando provas, em especial documentos, que mantém ocultos, em uma total afronta à liberdade provisória que lhe foi concedida e fazendo tábua rasa do acordo de delação premiada cujas vantagens pretendia obter¿.