Título: PF PRENDE ROGÉRIO ANDRADE
Autor: Antônio Werneck/Daniel Engelbrecht/Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 19/09/2006, Rio, p. 20

Federais fazem o trabalho que as polícias estaduais não conseguiram em mais de três anos

Depois de passar três anos e três meses foragido da Justiça, período em que as polícias estaduais não conseguiram capturá-lo e em que foi acusado num inquérito de pagar para ter a proteção de policiais, o bicheiro Rogério Andrade foi preso ontem, pela Polícia Federal, por volta de 11h30m, na Rodovia Washington Luiz, quando seguia de Itaipava, em Petrópolis, para o Rio. Com uma aparência diferente, de cabelos compridos, cavanhaque e usando lentes de contato azuis, o sobrinho do bicheiro Castor de Andrade não esboçou reação e foi levado, juntamente com mais duas pessoas que estavam no carro, para a sede da PF, na Praça Mauá. Contra Rogério havia dois mandados de prisão, um do 4º Tribunal do Júri, pela condenação a 19 anos e dez meses de prisão pela morte do primo, Paulo Roberto de Andrade, e outro, da 1ª Vara Criminal de Bangu, por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis.

A Subsecretaria de Inteligência, da Secretaria de Segurança, divulgou ontem à tarde um informe alertando batalhões e delegacias para a possibilidade de agravamento da guerra travada por duas quadrilhas pelo mercado de caça-níqueis na Zona Oeste. Rogério é suspeito de chefiar um dos bandos e de ser rival de Fernando Iggnácio, genro de Castor. Sobre a prisão, a Secretaria de Segurança informou que houve uma integração com a PF na área de inteligência, o que possibilitou a captura de Rogério.

Agentes federais, comandados pelo delegado Victor Cesar Santos, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF, estavam investigando Rogério há três meses. O grupo do bicheiro, denunciado pelo Ministério Público estadual por participar da guerra dos caça-níqueis na Zona Oeste, é suspeito de ter assassinado, em 30 de junho, o policial federal Aluízio Pereira dos Santos, de 47 anos, da delegacia do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Aluízio estava indo para a casa, em Padre Miguel, quando foi surpreendido por quatro bandidos armados num veículo, que fizeram vários disparos em sua direção.

Guerra matou mais de 50 na Zona Oeste

O crime aconteceu na Rua Murundu, próximo ao Cemitério de Padre Miguel. O policial estava em seu Astra, quando foi atingido por tiros na cabeça e na barriga. Policiais civis e federais suspeitaram, no início, que ele tivesse reagido a um assalto. Depois de uma investigação que durou três meses, a PF descobriu que o alvo do crime era o policial civil aposentado Clair de Oliveira, que acabou assassinado três dias depois, em Realengo, também na Zona Oeste.

Apesar de policiais federais dizerem que a morte do agente foi um erro, eles ainda não chegaram aos mandantes e autores do crime. Clair estava sendo investigado por suposto envolvimento com o jogo do bicho e a máfia dos caça-níqueis. Ele teria desavenças tanto com Rogério de Andrade, de quem chegou a ser associado, como com o bicheiro Fernando Iggnácio. Os dois contraventores estão em guerra na região há quase dez anos e, nesse período, mais de 50 pessoas foram mortas na disputa por pontos de jogo.

O assassinato de Clair ocorreu por volta das 14h. Ele dirigia seu Golf quando, ao parar na esquina da Rua Imperador com a Avenida Santa Cruz, foi surpreendido por dois homens numa motocicleta, sendo atingido por pelo menos 13 tiros. Os criminosos fugiram sem nada levar.

O delegado federal Victor Santos disse ontem acreditar que o carro do agente federal, um Corsa Sedan prata, tenha sido confundido com o do policial civil, um Astra prata.

- O homicídio do agente federal pode ter sido praticado por qualquer um dos lados, mas, como contra o Rogério já havia dois mandados de prisão, resolvemos aproveitar para prendê-lo, de modo que pudéssemos ouvi-lo. No caso de ele vir a ser responsabilizado por esse crime, temos a facilidade de ele já estar preso - explicou o delegado.

O superintendente da PF no Rio, Delci Carlos Teixeira, disse que a prisão de Rogério foi necessária para que ele pudesse ser ouvido no inquérito que apura a morte do agente:

- As investigações mostraram que a morte aconteceu devido à disputa de grupos da máfia dos caça-níqueis e, no decorrer da apuração, surgiu a necessidade de ouvir algumas pessoas. Determinou-se então que Rogério fosse preso, já que havia mandados contra ele, e ouvido.

O superintendente afirmou que o grupo de Fernando Iggnácio também está sendo investigado.

Para prender Rogério, dez agentes federais montaram uma blitz no quilômetro 88 da Rio-Petrópolis, na altura de Belvedere, próximo ao Viaduto do Grifo. A PF, que vinha rastreando os passos do bicheiro há três meses, tinha informações de que ele costumava passar os fins de semana na Região Serrana, em Petrópolis ou Teresópolis. A escolha da Rio-Petrópolis foi aleatória.

- Diria até que tivemos sorte de, na primeira blitz, efetuarmos a prisão. Não sabíamos se ele viria de Teresópolis ou de Petrópolis e, como não tínhamos gente suficiente para fazer operação nas duas rodovias, arriscamos essa segunda opção e deu certo - comentou Victor.

A operação foi iniciada às 6h, sob intensa neblina. Dois policiais à paisana ficaram posicionados antes do viaduto, que é em curva, sinalizando para os carros diminuírem a velocidade, como se houvesse um acidente à frente. Todos os veículos que seguiam em direção ao Rio foram parados na blitz, até que, por volta de 11h30m, o bicheiro foi reconhecido dentro de um Meriva prata alugado. Ele vinha no banco de trás e estava acompanhado do soldado da PM reformado Roland de Holland Cavalcanti e da mulher do policial.

No carro foi encontrada uma pistola Taurus PT-380 e cerca de R$20 mil em dinheiro. Roland disse que a arma estava com ele, tem registro e pertenceria a um genro. Como nenhum documento da pistola foi apresentado até o início da noite, Roland foi autuado por porte ilegal e favorecimento pessoal. Ele permaneceu preso. Segundo os policiais, nenhum dos ocupantes do carro reagiu ou tentou subornar os agentes.

Rogério e seus acompanhantes chegaram à sede da Polícia Federal por volta de 13h10m. O bicheiro prestou depoimento ao longo da tarde, antes de ser encaminhado às autoridades estaduais.

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As muitas faces de um contraventor

Rogério mudava a aparência para escapar da Justiça e de inimigos

Preso com lentes de contato azuis e cabelos longos, o contraventor Rogério Andrade, de 43 anos, recorria a constantes mudanças na aparência para escapar da Justiça e, principalmente, dos inimigos na guerra dos caça-níqueis na Zona Oeste.

A estratégia chegou a ser denunciada em fevereiro de 2002, quando centenas de cartazes foram espalhados pela cidade. No estilo faroeste, o anúncio era ilustrado com duas fotos do contraventor. Numa delas, Rogério aparecia barbeado e de cabelo penteado. Na outra imagem, estava de cavanhaque e cabeça raspada, tipo lutador de jiu-jítsu.

Dono da Rio Oeste Games, segundo denúncia da 1ª Central de Inquéritos do Ministério Público, Rogério rivaliza com Fernando de Miranda Iggnácio, de 41 anos, apontado como responsável pelas empresas Ivegê ou Adult Fifty Games, numa guerra que já resultou em dezenas de assassinatos.

As mortes, somadas à destruição de centenas de máquinas dos dois grupos, fazem parte da disputa pelo espólio de Castor de Andrade, que morreu em 1997. Uma guerra acirrada com o assassinato do herdeiro do bicheiro, Paulo Roberto de Andrade, o Paulinho Andrade, em 1998. O crime foi planejado por Rogério, primo de Paulinho, e praticado pelo ex-PM Jadir Simeone Duarte.

Em 2001, o contraventor forjou uma tentativa de assassinato contra ele, para incriminar Fernando Iggnácio. Condenado a 19 anos e dez meses de prisão, Rogério ficou preso apenas por 90 dias, em 2002. Em dezembro daquele ano, ele conseguiu, em pleno recesso, um hábeas-corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A medida foi revogada e, em 5 de junho de 2003, um novo mandado de prisão foi expedido contra Rogério. Em agosto, o contraventor teve a prisão decretada por causa de um inquérito da Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas (Draco).

O bicheiro também responde a um inquérito criminal da PF, acusado de obtenção irregular de diploma de curso superior de uma universidade privada, em 2003, para ter direito a prisão especial.

Policiais na segurança de contraventores

O envolvimento de policiais militares e civis, bombeiros e agentes penitenciários, tanto da ativa quanto reformados, na segurança do contraventor Rogério Andrade, de 43 anos, foi revelado em abril pelo GLOBO. Com base em informações da Subsecretaria de Inteligência (SSI), do Ministério Público estadual e da Draco, a reportagem mostrou que pelo menos 86 agentes da lei recebiam para garantir a segurança e, principalmente, a liberdade do contraventor e de seu rival, Fernando de Miranda Iggnácio.

Citado em denúncia do MP como responsável pela Adult Fifty Games ou Ivegê, Fernando Iggnácio foi condenado a nove anos de prisão, mas, graças a uma medida judicial, cumpre a sentença em liberdade. Fernando é obrigado a se apresentar mensalmente à Justiça, conforme atesta termo de comparecimento à presença do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Cavalieri Filho.

A participação de policiais e bombeiros na segurança de Rogério Andrade foi confirmada em agosto, com o oferecimento de denúncia, pelo Ministério Público, à 1ª Vara Criminal de Bangu. O documento cita Rogério Andrade, Rinaldo Costa de Andrade e Silva e Renato Costa de Andrade e Silva, sobrinhos de Castor de Andrade, e 16 policiais militares, entre eles o tenente-coronel Ricardo Teixeira de Campos. Todos acusados, em inquérito, por formação de quadrilha.