Título: A DESPEDIDA DE ANNAN
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 19/09/2006, O Mundo, p. 34

Assembléia Geral da ONU, última do líder da organização, começa hoje voltada para o Irã

Começa hoje a cerimônia do adeus de Kofi Annan. Pela última vez em dez anos, ele abre a Assembléia Geral da ONU e, diante de 90 presidentes, chefes de Estado e dezenas de ministros das Relações Exteriores, começa a fazer um balanço dos seus dois mandatos à frente da organização.

Depois de quatro anni horribilli, enfrentando denúncias de corrupção, pressão dos EUA e atentados à ONU no Iraque, Annan este ano pode dizer que conseguiu recuperar parcialmente o prestígio das Nações Unidas. O acordo para o cessar-fogo no Líbano botou de novo a ONU no centro das atenções e deu-lhe fôlego novo para tentar reavivar o processo de paz no Oriente Médio e pressionar o Sudão a permitir tropas de paz em Darfur.

- A crise do Líbano reabilitou Kofi Annan, ele voltou a sorrir depois de anos de cara fechada - disse um dos embaixadores na ONU.

Na semana em que Nova York se transforma na capital do mundo, o foco será o programa nuclear iraniano. Os presidentes dos EUA, George W. Bush, e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, duelarão no plenário da Assembléia Geral, onde discursarão hoje com horas de diferença. Enquanto diplomatas da União Européia tentam fazer americanos voltar à mesa de negociações com iranianos, funcionários da Casa Branca procurarão evitar que os dois se encontrem nos corredores. Até ontem, a delegação do Irã não tinha conseguido visto para os EUA.

- O discurso do presidente Bush dará uma visão de como fazer avançar a democracia no mundo, especialmente no Oriente Médio. Mas também tratará do Irã e da questão nuclear - disse um funcionário do Conselho de Segurança Nacional americano.

Protestos contra Bush e Ahmadinejad

Cada um com seu mantra. Bush repetirá que o Irã é uma ameaça à paz mundial, insistirá que a guerra contra o terrorismo será ganha nas ruas do Oriente Médio e, para demonstrar espírito aberto, encontrará o presidente da Autoridade Palestina. O radical líder do Irã ressaltará os fins pacíficos do seu programa nuclear, dizendo que aceita negociar, mas não sob ameaça do Conselho de Segurança da ONU.

- O secretário-geral incentiva as negociações entre o Irã e a comunidade internacional, mas não tem reunião marcada sobre o tema - disse porta-voz da ONU, confirmando um encontro entre ele e Bush antes da abertura da assembléia.

Tanto Ahmadinejad quanto Bush são alvos de protestos em Nova York. Ontem, iranianos foram às ruas pedindo um Irã democrático e sem armas nucleares, enquanto judeus americanos reclamavam da presença na cidade de "um ditador que negou o Holocausto e pediu a destruição de Israel". Um grupo muito maior protestará hoje contra Bush e a guerra do Iraque.

Os analistas dizem que os quatro anos de atoleiro no Iraque fizeram os Estados Unidos aprenderem a confiar mais na ONU e a procurar apoio de aliados para enfrentar as crises em Irã, Coréia do Norte, Líbano e Sudão. Mas a negociação é extremamente difícil.

- O problema é que a truculência diplomática dos americanos não muda - reclamou um embaixador.

A dificuldade de negociação com o embaixador John Bolton fez empacar a reforma da ONU, lançada ano passado numa cúpula com 151 chefes de Estado. A modernização da sexagenária instituição era o legado que Annan pretendia deixar, mas a oposição dos EUA bloqueou a ampliação do Conselho de Segurança, considerada fundamental para democratizar o poder na instituição. Também ficou pela metade a reforma administrativa, com os países em desenvolvimento se rebelando contra a intenção dos ricos de alijá-los da distribuição dos recursos nos programas da ONU. Mesmo sem a participação dos americanos, foi criado o novo Conselho de Direitos Humanos e a Comissão de Manutenção da Paz. Ao fazer um balanço, existe um dos poucos consensos entre americanos, europeus, desenvolvidos e subdesenvolvidos: a ONU está mais forte.