Título: AL-QAEDA DECLARA GUERRA AO PAPA E À IGREJA
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Fonte: O Globo, 19/09/2006, O Mundo, p. 35

Organização terrorista diz também que 'conquistará Roma'. Bush afirma que declarações de Bento XVI foram sinceras

ROMA e BAGDÁ. Apesar de o Papa ter dito estar sentido pelas reações a um discurso em que citou frases consideradas ofensivas a Maomé, e negado que exista racionalidade no ensinamento islâmico sobre Deus, a crise entre o mundo muçulmano e o Vaticano aumentou ontem. Grupos terroristas em operação no Iraque ameaçaram atacar cristãos e até "conquistar Roma", enquanto líderes religiosos e políticos disseram que as palavras de Bento XVI no domingo não foram um pedido de desculpas.

O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, entrou ontem no debate, dizendo acreditar que as desculpas do Papa foram sinceras.

- O presidente (Bush) disse que o Papa pediu desculpas por suas declarações. Ele acredita que o Papa foi sincero em suas declarações - disse Dennis Wilder, diretor de Assuntos do Leste da Ásia, relatando encontro de Bush com o premier da Malásia, Abdullah Badawi.

No Iraque, o Conselho da Shura Mujahedin, que reúne grupos radicais islâmicos surgidos após a invasão americana, e que seria controlado pela al-Qaeda no país, ameaçou derrotar o "adorador da cruz" numa mensagem divulgada pela internet.

"Dizemos ao adorador da cruz: você e o Ocidente serão derrotados, como em Iraque, Afeganistão e Chechênia. Quebraremos a cruz e derramaremos o vinho. Deus nos ajudará a conquistar Roma." A polícia italiana reforçou a segurança na cidade.

Outro grupo terrorista conhecido no Iraque, o Ansar al-Sunna, jurou ontem atacar cristãos devido às palavras do Papa: "Vocês somente verão as nossas espadas até que voltem à verdadeira fé de Deus, o Islã."

Vaticano lança uma ofensiva diplomática

Houve protestos pacíficos em vários países. No Irã, um grupo de jovens fez uma manifestação diante da sede da nunciatura apostólica em Teerã. Na cidade de Basra, no Iraque, centenas de manifestantes queimaram bandeiras dos EUA e da Alemanha, país natal de Bento XVI, além de fotos do Papa e bonecos vestidos como cruzados.

O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, criticou ontem o Papa Bento XVI:

- As declarações foram o último elo da cruzada contra o Islã iniciada pelos EUA de Bush.

Os países islâmicos solicitaram ontem que o Conselho de Direitos Humanos da ONU examine o teor das declarações do Papa. O pedido foi feito pelo representante do Paquistão, Masood Jan, em nome da Organização para a Conferência Islâmica, que reúne 57 países.

- A declaração foi lamentável porque mostrou uma falta de entendimento, ainda que involuntário, sobre o Islã e o seu profeta - disse Jan. - Essa tendência também ameaça aprofundar a distância entre o Ocidente e o mundo do Islã, e prejudica os esforços para encorajar o diálogo e a harmonia entre as religiões.

O Vaticano lançou ontem uma ofensiva diplomática para convencer os muçulmanos que o Papa não quis ofender o Islã.

- Encarregamos os núncios nos países muçulmanos a entregarem e explicarem o texto do Santo Padre e a valorizarem elementos que foram até agora deixados de lado - disse o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone.

A maior parte do discurso do Papa foi uma aula teológica sobre o papel da razão dentro da doutrina cristã desde seu início e uma crítica à visão "limitada" da razão no mundo moderno. No início do texto, porém, Bento XVI citou um imperador bizantino do século XIV que disse: "mostre-me o que Maomé trouxe que era novidade, e você encontrará coisas apenas más e desumanas, como a sua ordem para espalhar a fé que ele pregava." Disse também, citando um teólogo alemão, que "no ensinamento islâmico, Deus é absolutamente transcendente. Ele não está preso a qualquer de nossas categorias, mesmo a da racionalidade." Também se referiu à jihad como sinônimo de guerra santa.

A Comissão Européia defendeu Bento XVI ontem, pedindo que as declarações não fossem "retiradas do contexto." Já o presidente francês, Jacques Chirac, sugeriu o uso de uma linguagem mais diplomática:

- Não é meu papel ou minha intenção comentar as declarações do Papa. Queria apenas dizer, num nível geral, que devemos evitar qualquer coisa que exacerbe tensões entre povos ou entre religiões.