Título: 'Dossiêgate' atinge Berzoini
Autor: Maria Lima/Ilimar Franco/Alan Gripp/Gerson Camarot
Fonte: O Globo, 20/09/2006, O País, p. 3

Petista que participou da negociação de dossiê diz que presidente do PT foi avisado

Eleito para moralizar a vida partidária do PT depois da crise ética do mensalão, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, está envolvido no maior escândalo da campanha eleitoral. Ontem, a revista "Época" revelou que foi procurada pelo petista Osvaldo Bargas, ex-secretário do Ministério do Trabalho e atual responsável pela elaboração do capítulo de Trabalho e Emprego do programa de governo de Lula, que ofereceu um dossiê contra o candidato tucano a governador de São Paulo, José Serra, e o ex-ministro da Saúde Barjas Negri. Segundo "Época", Bargas - que estava acompanhado de Jorge Lorenzetti, também funcionário da campanha de Lula - disse que Berzoini foi avisado do encontro, embora supostamente desconhecesse o conteúdo do dossiê.

Além de Berzoini, já haviam sido envolvidos no episódio dois assessores e amigos de Lula - Freud Godoy e Jorge Lorenzetti - que trabalhavam no Palácio do Planalto ou em seu comitê de campanha. Em nota divulgada ontem, Berzoini admitiu que tinha conhecimento do encontro de Bargas com um repórter da revista, mas disse que não sabia o que seria conversado na reunião.

PF vai intimar presidente do PT

Berzoini será intimado pela Polícia Federal de Mato Grosso para depor no inquérito que apura a origem do dinheiro usado na negociação do dossiê. Ele terá que explicar, entre outras questões, o que sabia sobre o encontro de Bargas e Lorenzetti com o jornalista da "Época". Sua versão será confrontada com a de seus subordinados, que também serão chamados a depor em Cuiabá.

O presidente Lula, que já teve uma conversa dura com o Berzoini segunda-feira, não ficou satisfeito com sua explicação e terá novo encontro hoje com Berzoini.

- O Berzoini tem que explicar o que aconteceu. Se alguém do PT está envolvido, que assuma. Não vamos ficar sangrando como ocorreu no episódio Waldomiro Diniz - disse Lula, de Nova York, a um assessor.

O envolvimento de Berzoini e de assessores e petistas próximos do presidente Lula aumenta a cada nova revelação do escândalo dos dossiês. Na segunda-feira, Berzoini teve de reconhecer em entrevista que Gedimar Pereira Passos, preso em São Paulo com R$1,7 milhão, trabalhava no comitê da campanha de Lula e estava subordinado a Lorenzetti, responsável por um certo "dispositivo de tratamento de informações", que estava subordinado diretamente a ele. Lorenzetti é militante da CUT-SC e na condição de amigo de Lula fez churrascos na Granja do Torto e no Palácio da Alvorada.

Bargas, militante da CUT paulista, também é um velho companheiro do presidente Lula e ocupou cargo importante no Ministério do Trabalho até o último dia 2 de agosto. Bargas teve um papel político importante, mobilizando a CUT, na primeira reforma ministerial do governo Lula, no primeiro semestre de 2004, para manter Berzoini no Ministério. Agora estava no grupo que preparou o programa de governo da reeleição. Ele é casado com a secretária particular de Lula, Mônica Zerbinato.

O escândalo da compra do dossiê contra Serra envolve ainda o ex-assessor particular do presidente Freud Godoy. No primeiro depoimento à polícia, Gedimar disse que recebeu o dinheiro de Freud. Em acareação e em novo depoimento, preferiu se calar.

Nas conversas com auxiliares, por telefone, Lula disse que primeiro quer ouvir Berzoini para depois decidir. Mas ontem, no Planalto, já se admitia o afastamento de Berzoini da coordenação de campanha. O desfecho ideal para os petistas é que Lorenzetti assuma todas as responsabilidades. O dia de ontem foi tenso na campanha petista. Lorenzetti, sumido desde sexta-feira, e Berzoini limitaram-se a divulgar notas oficiais.

Três versões para um mesmo episódio7

Após negar dossiês e envolvimento, Berzoini admite fatos do escândalo

BRASÍLIA. O presidente do PT, Ricardo Berzoini, apresentou, desde sábado, três versões diferentes sobre o mesmo episódio. No sábado, ele negou, por meio de nota, qualquer envolvimento do comando da campanha pela reeleição do presidente Lula ou da direção nacional do PT com o escândalo. Na segunda-feira, depois de horas reunidos no comitê da reeleição, deu a primeira a entrevista sobre o assunto, quando admitiu que um dos envolvidos, preso em São Paulo com R$1,7 milhão, trabalhava na campanha de Lula até semana passada. Naquele dia, no entanto, Berzoini negou a existência de qualquer dossiê contra tucanos.

Ontem, após um dia inteiro de sumiço, em nova nota, Berzoini admitiu que existia um dossiê, mas alegou que desconhecia seu conteúdo. Veja as versões de Berzoini:

1. SÁBADO, 16 DE SETEMBRO:

Nota oficial assinada por Berzoini dizia: "O PT sempre rejeitou o denuncismo eleitoral e a produção ilegal de dossiês, até mesmo por já termos sido vítimas desse tipo de procedimento. O PT confia na apuração da Polícia Federal dos fatos e das circunstâncias que envolvem as prisões relacionadas com esse episódio".

2. SEGUNDA-FEIRA, 18 DE SETEMBRO:

Em entrevista, Berzoini disse: "Tomei conhecimento apenas no sábado que esse cidadão (Gedimar) fazia parte de um dispositivo que foi montado para dar tratamento às informações, tudo o que sai na imprensa, na internet e informações que chegam na campanha e no partido através de militantes. Ele era subordinado ao Jorge Lorenzetti, que era a pessoa que coordenava esse tipo de trabalho de tratamento de informações... elaborava relatórios para que a campanha pudesse decidir que tipo de incidência poderia conter. Lorenzetti apresenta esses relatórios ao coordenador que sou eu".

3. TERÇA-FEIRA, 19 DE SETEMBRO:

Nota oficial assinada por Berzoini afirmou: "De fato, tive conhecimento de que um integrante da nossa campanha manteria contato com a revista Época para tratar de uma pauta de interesse jornalístico. Jamais tive ciência do conteúdo abordado nesse encontro, conforme reproduzido fielmente pelo site da revista".

A nota de Berzoini

"Tendo em vista a citação do meu nome em esclarecimento publicado hoje pelo site da revista Época, tenho a dizer o seguinte: "1. De fato, tive conhecimento de que um integrante da nossa campanha manteria contato com a Época para tratar de uma pauta de interesse jornalístico. Jamais tive ciência do conteúdo abordado nesse encontro, conforme reproduzido fielmente pelo site da revista; "2. Jorge Lorenzetti me encaminhou hoje carta desligando-se da campanha e explicando os seus motivos, entre os quais ele reconhece ter extrapolado os limites de suas atribuições como assessor de risco e mídia da Coligação 'A Força do Povo', mas afirma taxativamente que não autorizou o emprego de qualquer tipo de negociação financeira; "3. Manifesto, mais uma vez, a minha indignação com esse episódio, e condeno, como sempre condenei, o denuncismo e a baixaria em processos eleitorais, reafirmando a necessidade de que todas as denúncias sejam investigadas e esclarecidas o quanto antes. E pergunto: a quem interessa criar confusão nesta campanha eleitoral?

Lorenzetti

A carta de Jorge Lorenzetti para Berzoini: "Reporto-me aos fatos ocorridos no dia 15 de setembro próximo passado e que vêm sendo objeto de ampla divulgação pela imprensa nacional."Julgo ter extrapolado os limites de minhas atribuições como assessor de risco e mídia da Coligação 'A Força do Povo', mas, nada obstante, afirmo taxativamente que em momento algum autorizei o emprego de qualquer tipo de negociação financeira na busca de informações relacionadas a adversários políticos. Minha participação no episódio circunscreveu-se tão somente em solicitar que fosse averiguada a autenticidade dessas informações, visando, exclusivamente, contribuir para a correção de uma injustiça que vem sendo cometida contra o Partido dos Trabalhadores no escândalo conhecido como máfia dos sanguessugas. Já encaminhei, através de meu advogado, petição ao Departamento de Polícia Federal colocando-me à disposição para prestar os esclarecimentos necessários à apuração dos fatos, e faço o mesmo, por essa missiva, em relação ao Partido dos Trabalhadores - razão pela qual comunico meu desligamento incondicional das atividades da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Desde já, apresento minhas sinceras desculpas se não correspondi à confiança depositada em minha pessoa."